Disputa de poderes – A multiplicação das cidades
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Correio Braziliense, 08/03/2004
Disputa de poderes – A multiplicação das cidades
Por Helayne Boaventura
Políticos incentivam a criação de novos municípios, mesmo depois das restrições impostas pela Constituição, e compram briga com o STF O endereço de milhares de brasileiros corre o risco de mudar por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Essas pessoas moram em municípios ilegais que podem desaparecer do mapa. Levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM) mostra que pelo menos 54 cidades nasceram de forma irregular. Deputados estaduais, com a bênção dos governos, criaram leis que atropelam a Constituição. Aprovada há oito anos, uma emenda constitucional dificultou o surgimento de novos municípios. Apesar disso, em 2000 a população dessas cidades irregulares elegeu prefeitos e vereadores. E este ano, com as eleições municipais, o fenômeno pode se repetir com outro grupo, ainda não catalogado, mesmo com toda a vigilância da Justiça.
O STF está atento à existência dos municípios ilegais. Já extinguiu um deles: Pinto Bandeira, no Rio Grande do Sul. O Supremo ordenou ao município retornar à condição de distrito de Bento Gonçalves, cidade da qual está distante 13,5km. Outros sofrem a mesma ameaça. Os primeiros da fila são os municípios gaúchos. Leis idênticas emanciparam outras 29 cidades no estado.
O Ministério Público estadual acompanha com atenção a novela jurídica em torno da extinção de Pinto Bandeira. Avisou que aguarda apenas a decisão definitiva para enviar uma representação ao procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, e exigir o cumprimento da Constituição. Seria um desastre para essas comunidades e para o município-mãe, prevê o presidente
da CNM, Paulo Ziulkoski.
O tribunal já deu seguidas decisões liminares para obrigar o ex-prefeito do município extinto, Severino João Pavan, a conformar-se com o desaparecimento da cidade. No mês passado, o presidente do STF, Maurício Corrêa, mais uma vez confirmou a decisão. Basta apenas o julgamento do mérito da ação apresentada a pedido do prefeito de Bento Gonçalves, Darci Pozza (PP).
O ministro do STF Sepúlveda Pertence, relator do processo de extinção do município gaúcho, não gostou de saber que políticos atropelaram solenemente a maior lei federal. Isto porque desde 1996, justamente para frear a enxurrada de novos municípios, emancipados com critérios políticos, o artigo 18 da Constituição mudou. Passou a exigir lei complementar federal, com
critérios claros para a criação dos municípios. Os legisladores estaduais deveriam seguir os requisitos antes de elevar à condição de cidade qualquer área.
Lei antiga
O problema é que essa lei federal até hoje não existe. E mesmo assim, em pelo menos nove estados, deputados ignoraram a nova regra. Continuaram a criar cidades de acordo com as leis antigas, quando os estados tinham autonomia para decidir sobre o assunto. No Mato Grosso, por exemplo, a Assembléia Legislativa aprovou a criação de 13 cidades entre 1998 e 1999, dois anos depois da aprovação da emenda constitucional nº 15. Nas eleições de 2000, os moradores escolheram os primeiros representantes municipais.
O lista de municípios ilegais só não é maior pela ação da Justiça. Nos últimos quatro anos, deputados estaduais de Mato Grosso continuaram a burlar a Constituição. Aprovaram outros 50 projetos de emancipação de cidades no estado. E só não tiveram os planos concretizados por interferência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O tribunal enviou um aviso ao Tribunal
Regional Eleitoral (TRE) com a proibição. O TRE impediu, então, a realização dos plebiscitos. É o que mantém em suspenso a implantação das cidades.
O presidente da Assembléia de Mato Grosso, José Riva (PSDB), autor de 40 das propostas de emancipação, até hoje não se conforma. E não quer nem ouvir falar em extinguir as 13 cidades em funcionamento. Não vejo a mínima condição de a população pagar um preço que não merece. O poder público tem de facilitar e não dificultar a vida das pessoas. O argumento de Riva é o de que ao voltar à condição de distrito, os moradores ficarão submetidos ao descaso do município-mãe, motivo mais alegado para o desmembramento das cidades.
Ações de adversários políticos, porém, pipocam no Supremo para reverter as emancipações. A Procuradoria Geral da República também corre para evitar que a farra das assembléias continue com a criação de novas cidades ilegais, além das 54 existentes. Em dezembro do ano passado, Cláudio Fonteles ingressou com ação no STF para impedir que dois distritos de Santa Catarina
aproveitem as eleições deste ano, como planejavam, para começar a funcionar como cidade. A Assembléia Legislativa e os moradores, em plebiscito, aprovaram a emancipação de Pescaria Brava e Balneário Rincão, mesmo com o bloqueio criado na Constituição. Aguardam somente a eleição dos prefeitos e vereadores.
Como os processos demoram a ser julgados, os moradores vivem o dia a dia sem esperar por mudanças bruscas. As prefeituras e câmaras dos municípios irregulares funcionam normalmente e se preparam este ano para a segunda disputa eleitoral. O tempo é o melhor argumento para os defensores da manutenção das cidades ilegais. Seria um retrocesso, uma violência
injustificada, qual o mal em manter esses municípios?, defende também o vice-líder do governo na Câmara dos Deputados, Beto Albuquerque (PSB-RS), ao avaliar a situação dos 29 municípios gaúchos. Depois de quatro anos já se criou uma jurisprudência, as pessoas não podem sofrer as conseqüências da lentidão dos tribunais.
Seria um retrocesso, uma violência injustificada (extinguir os municípios), qual o mal em manter esses municípios? Beto Albuquerque (PSB-RS), vice-líder do governo na Câmara dos Deputados
O número
54 é o número de cidades que nasceram de forma irregular, segundo levantamento da Confederação Nacional de Municípios