Governo reage com indignação a críticas a programa

Apr 06 2004
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Valor EconômicoValor Econômico, 06/04/2004
Governo reage com indignação a críticas a programa nuclear

Governo e parlamentares reagiram ontem com indignação à comparação feita
pelo influente jornal norte-americano Washington Post, entre o Brasil e
países como o Irã e a Coréia do Norte, responsáveis por programas nucleares
clandestinos. O jornal, refletindo o desacordo entre os governos brasileiro
e norte-americano, noticiou os desentendimentos entre as autoridades
brasileiras e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), sobre a
fiscalização da fábrica de enriquecimento de urânio em construção na cidade
de Resende, Rio de Janeiro.

A AIEA não tem acesso integral às instalações da fábrica de Resende, em
construção pela estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), com
centrífugas desenvolvidas no país para enriquecimento de urânio a baixos
teores destinado à alimentação das usinas nucleares de Angra I e II – e,
futuramente, à Angra III. O governo, que editou ontem nota oficial sobre o
assunto, argumenta que tem negociado uma maneira de permitir uma eficiente
fiscalização que garanta contra o uso militar do urânio enriquecido, mas, ao
mesmo tempo, preserve os segredos tecnológicos e possíveis ganhos comerciais
da nova fábrica.

O tema extrapolou a esfera da diplomacia e tornou-se assunto do Congresso
Nacional. A divulgação da notícia do Washington Post e da reação
brasileira levou a Comissão de Assuntos Econômicos da Câmara a decidir que
cobrará explicações hoje do ministro das Relações Exteriores Celso Amorim.
Amorim havia sido convocado para falar sobre a política externa brasileira,
as negociações sobre a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca)
e a aproximação entre Mercosul e União Européia.

A recusa do Brasil em dar livre acesso à AIEA ocorre simultaneamente a
pressões do governo norte-americano para que o Brasil assine um protocolo
adicional para os sócios da agência, que amplia seu poder de inspeção.

Trata-se da velha conversa americana, que põe sob suspeita a posição
pacífica do Brasil em relação à energia nuclear para conhecer a tecnologia
alheia, comentou o vice-líder do governo na Câmara, Beto Albuquerque
(PSB-RS). Investimos US$ 1 bilhão para fazer o beneficiamento do urânio;
não vamos contar o que está sendo feito lá. O presidente do Senado, José
Sarney, também fez questão de se manifestar, defendendo a posição
tradicional do Brasil contra o uso bélico da energia nuclear. Não podemos
aceitar nos nivelarem com a Coréia do Norte e com o Irã, países com tradição
de não aceitar as regras internacionais de controle a respeito de energia
nuclear, declarou Sarney.

Na nota oficial do Itamaraty, o governo lembra que a Constituição brasileira
determina que o programa nuclear deve ter fins exclusivamente pacíficos, e
que o Brasil segue as diretrizes e acompanhamento da Agência
Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle (ABAVCC) e da própria AIEA,
além de ser signatário de tratados internacionais de desarmamento como o
Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), além do Tratado para
Proibição Completa de Testes Nucleares (CTBT), que não entrou em vigor pela
falta de assinaturas de países que dispõem de tecnologia avançada,
inclusive nuclear.

A menção ao CTBT é uma referência velada aos Estados Unidos, e a países como
o Paquistão, que, sob a condescendência norte-americana, desenvolveram
bombas atômicas em segredo, e agora se beneficiariam das propostas do
governo Bush de cortar transferência tecnológica a países que não detenham a
tecnologia completa de enriquecimento de urânio.

A nota oficial classifica de inaceitável a comparação entre o Brasil, país
que sempre cumpriu seus compromissos internacionais em matéria de controle
nuclear e outros países forçados a revelar programas secretos; lembra que o
Brasil não impede a fiscalização da AIEA, apenas negocia abertamente a
melhor maneira de fazê-la sem ameaçar segredos comerciais; e termina com
outras referências veladas aos EUA.