Ruralistas ditam rumos de votações
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Zero Hora
Zero Hora, 24/10/2004
Ruralistas ditam rumos de votações
Grupo formado por cerca de 80 parlamentares
Fortalecida pelo poder econômico do agronegócio, a bancada ruralista é quem está ditando o rumo das votações no Congresso. Uma amostra do poderio do grupo, formado por cerca de 80 parlamentares, foi dada nesta semana. O presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), só conseguiu destravar a pauta depois de sucumbir à pressão dos ruralistas contra a medida provisória (MP) que regulamentava a compra de terras com títulos da dívida agrária.
A Câmara acabou rejeitando a proposta, um dos principais instrumentos com que o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, contava para acelerar a reforma agrária. Um dia depois, enquanto comemoravam a vitória, os deputados já atuavam nos bastidores para obstruir a pauta novamente, aliados à oposição e a partidos da própria base,
– Temos de dar uma demonstração da nossa força – incitou o presidente da Comissão de Agricultura e Pecuária, Leonardo Vilela (PP-GO), durante uma reunião do grupo, na quarta-feira.
– Posso contar com pelo menos uns 20 parlamentares do meu partido – contabilizou Waldemir Moka (PMDB-MS).
A tática da obstrução não é nova. Foi durante a votação da MP 183, que tratava da cobrança do PIS/Cofins, que os ruralistas lançaram mão dessa estratégia. Até acertarem com o Ministério da Fazenda a inclusão de produtos que tinham ficado de fora dos benefícios, os trabalhos foram paralisados.
– Foram duas semanas de pauta trancada. No final, conseguimos aprovar o benefício até para rações. Nesse caso, o governo ficou com o desgaste do veto – lembra o deputado Luis Carlos Heinze (PP).
No plenário da Câmara, os votos orientados pelos ruralistas, muitos deles produtores rurais, chegam, no mínimo, a 80 do total de 513 deputados. O grupo também tem aliados no Senado. Forma uma bancada maior do que a de importantes partidos da base do governo,
– Quando se trata de agricultura, temos posição independente. Mas acabamos influenciando o partido – afirma Moka, que integra a base do governo.
A bancada ainda mantém um canal direto com o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues. Mais de uma vez por semana, Vilela conversa com o ministro sobre as prioridades no plenário. Antonio Palocci, da Fazenda, aproveitou essa abertura para mandar a Vilela, também produtor de leite em Goiás, uma orientação para o Orçamento de 2005: que apresente emenda para incrementar os recursos para comercialização da safra 2004/2005.
Derrota no projeto dos transgênicos serviu de lição
O grupo, porém, amargou uma derrota nesta legislatura. A aprovação da Lei de Biossegurança na Câmara, em fevereiro, com a impressão digital do Ministério do Meio Ambiente, foi uma briga perdida na última hora. Com o projeto modificado de madrugada, ambientalistas se uniram a evangélicos e derrubaram as facilidades para a liberação comercial dos transgênicos.
– Fomos pegos de surpresa – diz Vilela.
Em seguida, o grupo montou uma das mais bem-sucedidas articulações deste ano. Os votos da bancada foram decisivos na rejeição da emenda que reconduziria em 2005 João Paulo e o senador José Sarney (PMDB-AP) às presidências da Câmara e do Senado. Em troca da garantia de apoio a um texto da Lei de Biossegurança no Senado mais favorável aos transgênicos, os deputados negociaram com o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que postula a cadeira de Sarney, a derrubada da emenda da reeleição. Os dois lados cumpriram o trato. Na Câmara, faltaram a João Paulo cinco votos para se reeleger. Somente na ala ruralista, 40 votaram contra. Cinco meses depois, o Senado aprovou um texto para a Lei de Biossegurança ao gosto dos produtores rurais.
– É difícil negociar com os ruralistas. Mas fica pior ainda quando o governo está fragilizado – reconheceu o vice-líder do governo na Câmara, Beto Albuquerque (PSB) na terça-feira, ao ver a MP da reforma agrária sendo arquivada.