Em dia com a política – A diferença está na oposição

May 30 2005
(0) Comments

Estado de Minas

Estado de Minas, 30/05/2005
Em dia com a política – A diferença está na oposição
 
Era uma vez um governo que, na ânsia de mostrar sua eficiência e defender sua linha de ação, passou a medir sua atuação na comparação com o anterior. Empregos, crescimento da economia, exportações, programas sociais, tudo passou a ter, como referência, o "até 2002".
 
Adotou-se, por vezes de forma mais direta, por outras mais sutis, o discurso do "ao contrário do que fizeram nossos antecessores …", que, de forma óbvia, provocou a cólera (e a resposta) dos diretamente atingidos. Sempre com as atenções voltadas para 2006, instaurou-se um debate que nem sempre se restringe aos limites do socialmente aceitável e acaba se transformando em chute na canela, ao melhor estilo dos zagueiros de time de várzea.

Toda esta discussão, que colocou, em lados opostos, quadros que foram beber na mesma fonte de uma esquerda responsável e afinada com os novos tempos, leva a um questionamento interessante: é possível comparar o desempenho dos governos tomando por base apenas os números, dizer que este ou aquele foi mais eficiente pela simples análise dos indicadores? A rigor, não. Afinal, não há como ignorar fatores externos, que interferem de modo cada vez mais direto nos destinos de um país. E como deixar de lado o fato de que certas virtudes hoje tão louvadas são, na verdade, o fruto do que foi plantado há cinco, dez, 20 anos? Herda-se erros, rombos, cofres vazios, mas também virtudes, iniciativas interessantes, bases razoavelmente sólidas para se iniciar um trabalho.

No frigir dos ovos, os governos Lula e Fernando Henrique têm mais semelhanças do que diferenças. Em ambos houve suspeitas de fraude e corrupção, nos dois a oposição bate panelas pela instalação de CPIs enquanto o Palácio do Planalto usa do estratagema de tentar abafá-las. Petistas e tucanos avançaram em muitos pontos, mas decepcionaram em vários outros.

A grande diferença não está, como se pensa, no que acontece no Executivo, mas a poucos metros dali, no Congresso. Mesmo os líderes petistas são obrigados a reconhecer que a oposição, hoje, é muito mais articulada e eficiente do que a que importunava o governo do PSDB. Se há algo que pode ser dito do comportamento dos deputados e senadores tucanos e do PFL, é que têm conseguido aproveitar as diversas oportunidades entregues de bandeja pela base aliada e transformado fatos políticos inicialmente irrisórios em escândalos nacionais, além de fazer com que escândalos, como o dos Correios – dimensão do episódio à parte, há como definir de outra forma corrupção tão evidente – não caiam na vala comum do esquecimento.

A marcação é cerrada e cada deslize é punido não apenas com discursos inflamados nas tribunas, mas com ações de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal e movimentos como o que sepultou a MP 232 – ou pelo menos a parte dela que elevava a tributação de prestadores de serviço e agricultores. No caso do PT "pré-alianças", tais manifestações caíam muitas vezes em um radicalismo vazio, de poucos resultados práticos.

Simples mérito, ou sinal de maior competência política? Na verdade, não. Era exatamente o que se esperaria de pessoas que, por oito anos, viveram a intimidade do governo, sabem de cada um de seus segredos, hoje são deputados e senadores mas, há não muito, eram ministros e presidentes de estatais. Como é de se esperar que, caso deixe de ser vidraça e volte a ser pedra, também aconteça com o PT. Até lá, no entanto, há uma agenda a ser cumprida, um Congresso cada vez mais rachado e um debate eleitoral que insiste em atropelar o relógio. Como diriam os petistas no tempo em que a presidência era apenas um sonho, o problema é de quem está no comando. Oposição é para contestar.

Base enxuta

Pode não ter gerado aprovação unânime entre os parlamentares dos partidos governistas a afirmação do líder do PSB na Câmara, Beto Albuquerque, de que Lula pretende dar novo rumo à sua base aliada. Pretende trocar a quantidade pela qualidade. Ter a seu lado os verdadeiros aliados, com os quais poderá contar incondicionalmente. O varejo – aqueles que estão mais preocupados com indicações para cargos ou verbas orçamentárias e, nas votações decisivas, costumam roer a corda – seria tratado caso a caso. É dos raros casos em que menos pode valer mais. O problema é que, pelos últimos acontecimentos, tal `reforma`significará cortar na própria carne, tal o nível de divisão que impera no PT. Não é de hoje que o fogo amigo tem feito tantos (ou mais estragos) que a artilharia da oposição e, pelo visto, os descontentes resolverem colocar a boca no mundo. É para não perder os próximos capítulos.