Além da CPI

Jun 02 2005
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O Globo

O Globo, 2/6/2005
Além da CPI
PANORAMA POLÍTICO – TEREZA CRUVINEL

Matar a CPI não removerá a crise política, que precede o escândalo dos Correios e continua produzindo manifestações laterais, como as derrotas do governo em comissões técnicas. Por isso, apesar do falatório oficial propalando a normalidade, diferentes receitas de superação continuam sendo levadas ao presidente Lula. E apontam quase sempre para a busca de um recomeço.

Uma delas, rechaçada pelos demais ministros petistas num jantar na segunda-feira, foi a do ministro Gushiken, no sentido de que todos entregassem seus cargos. Falou-se muito em renúncia coletiva esta semana, mas de Lula não se ouviu um pio sobre mudanças no Ministério. Ele sabe que terá de reformar o governo, com ou sem CPI, mas, se tomar tal decisão, dificilmente abrirá um leque de conversações, como na reforma ministerial que desistiu quando constatou que não sairia a seu gosto. Fará a hora.

O deputado João Paulo Cunha pretende apresentar-lhe algumas sugestões de segundo ato, se vencida a batalha para evitar a CPI dos Correios. Lula deveria pedir as cartas de demissão de todos os ministros e antes de compor o novo Ministério, renegociar as alianças com base nas demonstrações de fidelidade nos últimos episódios. Um balizador poderia ser a votação do parecer da Comissão de Constituição e Justiça pelo plenário da Câmara. Nesta votação, os aliados terão que se expor. Os votos serão mostrados pelo painel eletrônico, podendo ser explorados eleitoralmente pela oposição. Em tais circunstâncias, só os muito leais votarão com o governo. Na mesma tacada, seriam ainda trocados todos os dirigentes dos Correios e do IRB. Deveria ainda o presidente, segundo João Paulo, reforçar a aliança com os partidos de esquerda que apóiam o governo, PSB e PCdoB, a partir de alguns compromissos nas áreas econômica e social. E, por fim, anunciar três ou quatro medidas de impacto na área social, de natureza mudancista.

Ainda em relação aos aliados, deveria resolver de vez o problema com o PMDB. Como o governo não tem mesmo o apoio institucional do partido, partiria logo para a separação entre quem será ou não aliado em 2006, a partir da situação em cada estado. Se no Rio Grande do Sul não há mesmo chances de aliança, que não se conte mais com a bancada do estado, por exemplo. Mas isso pressupõe que o PT aceite, desde logo, que não terá candidato nos estados onde for dada preferência à aliança com os peemedebistas.

E pressupõe, ainda, uma tática para lidar com os petistas rebeldes. Ontem, vice-líder do governo Beto Albuquerque (PSB) defendeu o voto contra a convocação dos dirigentes do IRB numa comissão. Virou as costas, todos os petistas votaram a favor.

Sugestões, diz-se que Lula tem recebido muitas. Mas tudo depende é dele mesmo, de sua compreensão sobre a necessidade de chacoalhar o governo e de sua disposição para tomar atitudes desagradáveis, como demitir.O governador Aécio Neves diz que se o presidente Lula prestasse atenção a Minas saberia que as compras por pregão eletrônico, que agora adotou, vigoram com sucesso no estado desde 2003. Já propiciaram uma economia de R$ 144 milhões nas compras governamentais.

Delfim: mudar sem falar

A mistura de crise política com a revelação de retração econômica no primeiro trimestre produziu ontem uma inflação de declarações sobre as duas questões. Lula e alguns ministros trataram de aproveitar a semana de refresco.

Apesar das garantias do ministro Palocci de que nada muda na economia, no Congresso o deputado Delfim Netto — que nestas horas é solicitadíssimo — dizia que a seu ver o governo já compreendeu que esgotou a fórmula de combater a inflação só com juros altos, que teriam, juntamente com a sobrevalorização cambial, travado o crescimento.

— Acho que eles farão um ajuste sem publicidade. Se não fizerem isso, vão pagar caro. Lula repetirá em quatro anos o período de oito anos medíocre de FH. Devem pôr mais ênfase na questão fiscal e aprovar logo o projeto das ZPEs, que está em regime de urgência.

Nem por isso acha que a economia esteja sendo afetada pela política: seria a primeira crise política do mundo que produziria uma valorização da moeda, e não o inverso.

— Os tucanos têm feito grande esforço para prejudicar o governo mas os petistas têm sido mais eficientes nisso! — diz até mesmo aos petistas.

ANSIANDO por uma agenda positiva, o governo perdeu ontem uma chance de fazer andar as votações na Câmara. Aprovada uma medida provisória, a votação empacou na MP 242, aquela que altera (para menor) os cálculos do auxílio saúde e da aposentadoria por invalidez.

— Perderam uma boa chance de revogar esta medida cruel para com os mais pobres. Se tentarem aprová-la, mesmo com mudanças cosméticas, vão levar uma sova — diz o líder tucano Alberto Goldman.

A base também não engole o que pode ser chamada de MP do mal, já que vem aí uma MP do bem, reduzindo impostos para as empresas.

No rastro dos tentáculos do PTB
Depois dos Correios, PF também investigará suposto esquema de propina no IRB

BRASÍLIA. Numa nova frente de investigação sobre o suposto esquema de fraudes de apadrinhados do PTB em cargos-chave do governo, a Polícia Federal abriu inquérito para investigar o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB). Os investigadores tomarão hoje o depoimento do economista Lídio Duarte, ex-presidente do órgão. O economista deixou o cargo há três meses porque teria sido pressionado a pagar uma mesada de R$ 400 mil ao PTB. A PF deverá ouvir também nos próximos dias Henrique Brandão, um dos donos da corretora de seguros Assurrê. Brandão é apontado como o homem que teria pressionado Duarte a pedido do PTB.

No decorrer das investigações, a PF poderá chamar para depor também Marcus Vinícius Ferreira, um dos assessores da Eletronuclear e genro do presidente do PTB, deputado federal Roberto Jefferson (RJ). Em depoimento ao Ministério Público, Jefferson disse que o genro trabalhou com Brandão na Assurrê e que teve vários contatos com Maurício Marinho, ex-chefe do Departamento de Contratação dos Correios afastado do cargo após ser flagrado em um vídeo recebendo suposta propina.

O inquérito sobre o IRB será presidido pelo delegado Luiz Flávio Zampronha, o mesmo que coordena as investigações sobre as fraudes nos Correios. Desde que o caso veio à tona, Roberto Jefferson nega que tenha recebido qualquer benefício do IRB. A PF também investiga o patrimônio de Maurício Marinho, do ex-diretor de Administração dos Correios Antonio Osório e de Fernando Godoy, ex-assessor de Osório.

O que mais chamou a atenção dos policiais foram indícios de um suposto descompasso entre o patrimônio acumulado e a renda declarada de Godoy. Segundo a PF, o ex-assessor da diretoria de Administração é dono de dois apartamentos, várias salas comerciais em Brasília e uma casa em Santa Catarina. Nas gravações divulgadas há duas semanas, Marinho declara que ele, Osório e Godoy formavam o trio do suposto esquema do PTB dentro dos Correios.

Câmara também investiga o caso

Ontem, a Câmara também entrou na investigação sobre o IRB. A Comissão de Finanças e Tributação aprovou requerimento do deputado Carlos Willian (PMDB-MG) para que prestem depoimento no plenário o atual presidente do IRB, Luis Apolônio Neto, e o ex, Lídio Duarte. Willian diz que desde dezembro vinha recebendo denúncias de desvios no órgão, que estaria beneficiando grandes seguradoras de modo fraudulento.

Com as novas denúncias de que Jefferson teria usado o corretor Henrique Brandão para pressionar Lídio Duarte a contribuir mensalmente com o PTB, a Comissão de Finanças e Tributação pode formar uma comissão externa para fazer diligências no IRB. Como a comissão não pode convocar dirigentes da administração indireta, mas apenas convidar, caso Apolônio se negue a comparecer, o requerimento de convocação pode ser enviado ao Ministério da Fazenda. Segundo Willian, Lídio já avisou que quer depor.

— Eu atirei numa coisa e acertei em outra maior ainda. Com os depoimentos, teremos desdobramentos que podem levar ao depoimento do Roberto Jefferson e à criação de uma CPI do IRB — disse Willian.

O vice-líder Beto Albuquerque (PSB-SP), os deputados Francisco Dornelles (PP-RJ) e Carlito Mers (PT-SC) foram os que mais tentaram, em quase três horas de tenso debate, derrubar a aprovação do requerimento de Carlos Willian.

No fim, quando perdiam por grande margem de votos, os governistas votaram a favor. Irritado, Dornelles criticou Mers:

— Não vou mais acompanhar o PT em nada. A gente combina uma coisa e vocês votam diferente.

O caso da mesada de R$$ 400 mil

As denúncias de supostas irregularidades no Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) vieram a público na semana passada, sete dias depois que foi divulgada pela revista "Veja" a fita em que o então chefe do Departamento de Contratação e Administração de Material dos Correios, Maurício Marinho, diz participar de um esquema para beneficiar o PTB. Marinho afirma na conversa gravada por supostos empresários que agia sob ordens do presidente do PTB, Roberto Jefferson. Na semana passada, uma segunda reportagem dizia que o IRB pode estar comprometido em outra denúncia de corrupção envolvendo Jefferson. Segundo a revista, a demissão do ex-presidente do instituto Lídio Duarte, há dois meses, fora motivada pela pressão pelo pagamento de uma mesada ao PTB de R$ 400 mil. A pressão teria começado quando Jefferson passou a presidir o PTB, após a morte de José Carlos Martinez, que indicara Duarte.

À época, o corretor Henrique Brandão teria dito a Duarte que o IRB precisava render R$ 400 mil mensais ao PTB. Brandão é sócio do genro e assessor parlamentar de Jefferson, Marcos Vinícius, numa das 23 corretoras credenciadas do IRB. De acordo com a reportagem, Duarte teria ouvido de Jefferson que Brandão era seu amigo há mais de 30 anos e que o partido precisava da contribuição mensal.

Na primeira denúncia de fraude, uma gravação mostra Marinho recebendo propina de supostos empresários interessados em participar de processo de licitação para venda de equipamentos de informática. Marinho foi afastado do cargo e indiciado semana passada pela Polícia Federal por corrupção e fraude em licitação. Numa das cenas, os empresários oferecem um adiantamento de R$ 3 mil, que Marinho põe no bolso do paletó. A denúncia provocou a criação da CPI dos Correios.

O ex-diretor de Administração dos Correios Antonio Osório Batista, ex-deputado do PTB da Bahia, é citado nas gravações. Segundo Marinho, eles atuavam em conjunto. Osório também foi afastado do cargo, mas não foi indiciado pela PF. Na conversa gravada, Marinho ainda insinua que empresas de informática como a Novadata, do empresário Mauro Dutra, amigo do presidente Lula, teriam sido beneficiadas pela diretoria de Tecnologia dos Correios, que seria controlada pelo PT.