A jornada literária ignorada
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Jornal do Brasil
Jornal do Brasil, 12/7/2005
A jornada literária ignorada
Fernando de Castro:
Eventos literários são sempre bem-vindos. Por mais que às vezes acusem um certo elitismo e outras faltas. Até isso é bom. O fato de as pessoas se queixarem já mostra que existem mais leitores interessados em ouvir seus escritores favoritos do que se supunha – ou, em último caso, em tirar uma foto com o Jô Soares. A Flip é o xodó da maioria dos escritores. Faz sentido. Além da causa nobre de dividir a palavra com seus pares, o assédio é sempre muito bom. Sobretudo para escritores, cuja vaidade, por mais que negada, está implícita na própria profissão. Além do mais, Paraty é uma cidade charmosa e sempre vale a viagem.
Estou, entretanto, em Passo Fundo, no planalto gaúcho, onde o frio nessa época do ano é insuportável. É uma cidade feia, de arquitetura pobre, que peca pelo excesso de monumentos (numa entrada, por exemplo, uma nau foi construída em homenagem aos 500 anos, apesar da marola mais próxima estar a uns 400 Km de distância). A maior personalidade histórica foi o músico Teixerinha (com estátua, claro), autor do clássico O gaúcho de Passo Fundo. No momento, o posto é ocupado pela modelo Letícia Birkheuer, que, em breve, deverá receber sua estátua também.
O prefeito é Airton Dipp (PDT), presidente dos Correios até pouco antes de estourar o escândalo Marinho/ Jefferson. É visto como um político correto pela população. Outro que desfruta de popularidade é o deputado federal Beto Albuquerque (PSB), vice-líder do governo na Câmara. A cidade tem dois jornais diários (um deles, com 80 anos, é da minha família), universidades e três churrascarias com excelentes cortes de costela. Em termos etílicos, a principal referência é o Boka, do querido amigo Edu, cujo x-filé também é apontado como patrimônio histórico da cidade.
Tem ainda cinco salas de cinema, teatro e dois times de futebol cuja rivalidade, lógico, é proporcional à deficiência técnica dos seus craques. Passo Fundo tinha tudo pra ser apenas mais uma cidade do interior. Com seus hábitos moralistas, seu exagero por monumentos, seu trânsito tranqüilo e índicies sociais um pouco acima da média. Não é. É aqui nesse lugar sem muito charme que a cada dois anos se realiza provavelmente o maior evento literário do Brasil, a Jornada Nacional de Literatura, que, no final de agosto, chega à 11ª edição, graças ao esforço sobre-humano de uma professora chamada Tânia Rosing.
Sua história, entretanto, é curiosa. Apesar de há mais de 20 anos os principais escritores do país serem figuras freqüentes e dizerem-se comovidos com o fato de falarem no meio do nada, numa temperatura próxima do zero, sob uma lona de circo, para uma platéia de 5 mil espectadores/ dia, quase ninguém, alem dos próprios escritores, sabe o que se passa por aqui. Que antes de cada nova edição, por exemplo, acontece a pré-jornada, espécie de apresentação ao público das obras dos convidados. Nem que o autor do melhor romance inscrito no Prêmio Zaffari/Bourbon volta pra casa com um cheque de R$ 100 mil (o Antônio Torres, aqui do B, já foi um dos vencedores, com o Meu querido canibal).
Nem sabe que, além deste, outros eventos paralelos acontecem, como o Concurso de Contos Josué Guimarães, várias oficinas literárias e a Jornadinha (média de 3 mil crianças/dia). Bairrismo à parte, é uma pena. Foi através dessa jornada que, ainda criança, passei a me interessar pelos livros. Foi graças a ela também que conheci figuras queridas como o Eric Nepomuceno (15 anos depois, colega aqui no B), João Ubaldo e a dupla PCC (Paulo e Chico Caruso), que, pela amizade com meu falecido tio, Tarso de Castro, ambos acabavam sempre homenageados com um churrasco regado a uísque na minha casa. Há dois anos, fui como free lancer pelo JB (tendo a então editora do Idéias, Cristiane Costa, como tutora). Foi bonito, como sempre. Este ano, tudo leva a crer que não será diferente. Mas pouca gente, ao que tudo indica, ficará sabendo. Uma pena.