Presença de Lula em velório de Arraes provoca manifestações

Aug 15 2005
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Zero Hora – Porto AlegreZero Hora – Porto Alegre, 15/8/2005
Presença de Lula em velório de Arraes provoca manifestações

O velório do deputado federal e presidente nacional do PSB, Miguel Arraes, teve clima de campanha eleitoral ontem em Recife (PE), onde mais de 15 mil pessoas passaram pelo Palácio Campo das Princesas, sede do governo estadual, para se despedir do líder socialista.

Ao chegar ao palácio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi aplaudido pelos populares que faziam fila para se despedir de Arraes, morto aos 88 anos. Os opositores de Lula, como o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), o prefeito da capital paulista, José Serra (PSDB), e o presidente nacional do PPS, deputado Roberto Freire, foram vaiados aos chegar ao velório.

Ao som de "olê, olê, olá, Lula, Lula", o presidente chegou acompanhado de seis ministros. As pessoas gritavam e davam recados de que acreditam em Lula, cujo governo é alvo de denúncias de corrupção. No velório, o presidente permaneceu por cerca de 10 minutos com a família do ex-governador, que ficou quase dois meses hospitalizado. Lula abraçou a viúva, Magdalena, e seguiu para o segundo andar do palácio, reservado para o descanso da família. Ele retornou a Brasília às 11h.

Guel Arraes começou a gravar documentário

Lula e Serra se encontraram em uma sala próxima ao saguão de entrada. O porta-voz da Presidência, André Singer, disse que ambos conversaram por poucos minutos e não falaram de política.

Dentre os ministros que acompanharam Lula no velório de Arraes, o mais emocionado era Sérgio Resende, da Ciência e Tecnologia, secretário de Arraes no terceiro mandato dele no Estado. Ao deparar com o caixão do ex-governador, o presidente Lula demonstrou estar emocionado.

– Foi durante o governo Arraes que muita gente comprou o primeiro colchão, o primeiro rádio de pilha, e ganhou luz elétrica. O que conforta é que a passagem de Arraes pela Terra valeu a pena – disse.

A referência foi ao acordo do campo negociado por Arraes em 1963, quando era governador pela primeira vez. O acordo tirou camponeses do regime semi-escravo e marcou o início da trajetória de Arraes como mito político no Estado.

A vida do político, considerado pelo povo do interior pernambucano o "pai dos pobres", será tema de documentário do cineasta Guel Arraes, filho dele. A produtora Paula Lavigne, da Conspiração Filmes, gravou cenas do velório e do enterro e depoimentos. Caetano Veloso, que conheceu Arraes no exílio, foi um dos entrevistados.

Arraes morreu na manhã de sábado, depois de 59 dias internado na UTI do Hospital Esperança. O deputado sofria de infecção pulmonar e respirava com ajuda de aparelhos. O enterro ocorreu por volta das 18h, na capital pernambucana.

O fim de uma geração

Arraes era o último líder da velha esquerda brasileira, perseguida pelos militares após o golpe de 1964. Com o fim do regime, Lula despontou no cenário nacional:

Miguel Arraes

O deputado federal e presidente do PSB virou referência da esquerda. Cassado pela ditadura, viveu 14 anos no exílio.
João Amazonas
Líder do PC do B, morreu em maio de 2002, aos 90 anos. Foi um dos idealizadores da Guerrilha do Araguaia.
Luiz Inácio Lula da Silva
O fundador do PT chegou ao poder em 2003. Foi o principal nome da esquerda depois do fim da ditadura.
Leonel Brizola
Ex-governador, manteve acesa a chama do trabalhismo até junho de 2004, quando morreu aos 82 anos, no Rio.
Cronologia
1916 – Filho de pequeno comerciante e agricultor, Miguel Arraes de Alencar nasceu em Araripe (CE) no dia 15 de dezembro
1932 – Muda-se para o Rio, onde ingressa na Faculdade de Direito no ano seguinte
1937 – Já em Recife, cidade onde passaria a viver, torna-se bacharel em Direito
1947 – Ingressa na política, ao assumir a Secretaria da Fazenda de Pernambuco
1954 – É eleito deputado estadual pelo Partido Social Trabalhista (PST)
1959 – É eleito prefeito de Recife, com apoio de partidos socialistas e comunistas
1962 – Sob clima de radicalização política em Pernambuco, é eleito governador
1964 – Pouco dias depois do golpe militar de 31 de março, o governador tem seus direitos políticos cassados e é preso
1965 – Enquadrado na Lei de Segurança Nacional, consegue asilo na Argélia
1979 – Volta ao Brasil em setembro, beneficiado pela Anistia
1982 – Filiado ao PMDB, obtém seu primeiro mandato na Câmara dos Deputados
1986 – É eleito novamente governador de Pernambuco
1990 – Filia-se ao PSB e elege-se deputado federal
1995 – Assume novamente o governo pernambucano
2003 – Inicia terceiro mandato na Câmara
2005 – Morre aos 88 anos

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva:
"Foi com Miguel Arraes que muita gente pôde comprar o primeiro colchão e o primeiro rádio a pilha e ter acesso à luz elétrica."

Beto Albuquerque, deputado federal:
"Neste momento de crise, Miguel Arraes nos deixa um exemplo, uma prova incontestável de que a política pode ser tratada com dignidade e honradez."

Germano Rigotto, governador do RS:
"Miguel Arraes sempre demonstrou a coragem para defender posições fortes que buscaram sempre a evolução social e política brasileira."

Geraldo Alckmin, governador de São Paulo:
"Foi um homem de caráter e coerente com as suas idéias, e coerência é uma qualidade em falta no Brasil. O país vai sentir a sua falta."

Pedro Simon, senador:
"Arraes não é só uma grande referência na esquerda, mas o último tronco de uma geração da qual não sobrou ninguém."

José Serra, prefeito de SP:
"Quando a história do país for reescrita, Miguel Arraes será um dos personagens fundamentais, em função da coerência e da generosidade."