Beto cogita aliança com PTB para disputar o Piratini

Sep 12 2005
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Jornal do Comércio – Porto Alegre

Jornal do Comércio – Porto Alegre, 12/9/2005
Beto cogita aliança com PTB para disputar o Piratini

Há dois anos e meio como vice-líder do governo na Câmara Federal, o deputado Beto Albuquerque faz nesta entrevista um desabafo quanto ao tratamento dispensado pelo governo Lula ao PSB e aos partidos que, segundo Beto, estiveram historicamente ao lado do PT.

Por Milton Gerson e Paula Coutinho

Mesmo assim, Beto afirma que não abandonará o presidente Lula e que continuará leal ao seu projeto de governo.
Para ele, os dirigentes petistas sucumbiram ao pensamento stalinista de achar que o partido é maior do que a sociedade, dos que as leis e do que o próprio governo. Ele também revela que será candidato à presidência da Câmara caso o atual presidente Severino Cavalcanti renuncie. Ao falar das próximas eleições estaduais, quando admite ser candidato, fala ainda de uma aproximação com o PTB, do senador Sérgio Zambiasi.

Jornal do Comércio – Como vice-líder do governo Lula na Câmara dos Deputados, como o senhor analisa o clima de perplexidade que paira sobre a base aliada?
Beto Albuquerque – Nós estamos mais do que perplexos, estamos indignados. O papel vergonhoso que a alta cúpula do PT decidiu exercer, montando uma tramóia e uma relação promíscua entre os partidos é algo imperdoável. Felizmente o PT, embora seja um partido de esquerda, não é toda a esquerda. Isso fere de morte sem dúvida nenhuma um projeto construído com muita paixão ao longo de muito tempo. Também fere de morte um partido que talvez tenha a mais bela história de construção partidária do Brasil. Os dirigentes petistas sucumbiram ao pensamento stalinista de achar que o partido é maior do que a sociedade, maior do que as leis, maior do que o próprio governo. O que me acalenta é que diante das crises somos capazes de perceber os erros e corrigi-los. Vejo a sociedade brasileira, a mídia e as instituições muito maiores do que a própria corrupção no Brasil. Significa que o amadurecimento da nossa democracia, que ainda é muito jovem, está sendo encaminhada corretamente. Não temos que nos escandalizar com isso, mas aprender com esses tristes episódios. Acho que será bom para os partidos e para o povo brasileiro, que exigirá em cada eleição conversas mais confiáveis, menos ilusórias, mais pragmáticas para o cidadão.

JC – Como o senhor tem trabalhado para a defesa do governo?
Beto – Fui convidado pelo presidente Lula para integrar o colégio de líderes do governo, o que muito me honrou, mas a minha tarefa como aliado histórico, juntamente com o meu partido, era de cuidar dos altos interesses do País. Não sou vice-líder do governo para explicar os erros absurdos cometidos pelo PT. Isso é um problema específico desse partido.

JC – Numa recente reunião com o ministro Jacques Wagner o senhor levou algumas reivindicações dos congressistas. Qual foi a resposta do governo?
Beto – Disse ao presidente que é preciso que determine uma mudança de postura dos seus líderes na Câmara e no Senado. O deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), líder do governo na Câmara, e o senador Aloísio Mercadante (PT-SP) são os dois comandantes das derrotas do governo neste ano. São personalistas, individualistas, implodiram o colégio de vice-líderes, não dialogam com ninguém, e por isso o governo tem colhido somente derrotas nesse período. O séquito de bajuladores que cercam Lula nunca contaram por inteiro a história para o presidente. Nunca contaram as histórias de dificuldade, dos erros, criando situações constrangedoras para ele e para o País. Com o ministro Jacques Wagner, fizemos uma reunião em separado, na qual fui muito duro ao mostrar que sempre denunciei que o governo tinha tomado uma decisão que poderia comprometê-lo no futuro, ou seja, apostou em partidos anexados que chegaram depois da luta inteira, preterindo os partidos aliados. O PSB foi um partido que perdeu deputados, perdeu dois governadores, porque o governo decidiu jogar todas as suas fichas no fortalecimento do PP, do PL e do PTB. Em que pese o PSB ter tido esse tipo de tratamento, não vamos abandonar o presidente Lula, seremos leais ao seu projeto. Enquanto o presidente Lula não comprometer a verdade dos fatos, nós estaremos com ele. Nós estamos num limite porque chegou a hora de se retomar pela esquerda a condução política do País. Esse é um governo que não sucumbiu à demagogia que, muitas vezes, se fez e se faz em torno dos aspectos econômicos do País.

JC – Como o presidente Lula pode rearranjar as forças que lhe dão apoio no Congresso, e enfrentar as denúncias de corrupção no seu governo? José Dirceu, por exemplo, perdeu realmente o poder que detinha até então no núcleo central do governo?
Beto – Dirceu não tem mais força no governo, mas mantém sua influência dentro do PT. O grande equívoco do Campo Majoritário foi querer aplicar os métodos que lhe permitiram ficar longos anos no comando do PT, dentro do governo. Os métodos de arregimentação e manutenção de uma maioria dentro do PT podem ter sido muito parecidos com os métodos que tentaram constituir maioria de governabilidade dentro do governo. Dirceu continua com força dentro do PT, ninguém desconhece a sua história dentro do partido, mas dificilmente sairá com mandato neste processo. Ainda que não tenha nada de concreto contra ele, será penalizado politicamente. A reorganização da base passa primeiramente pela saída do casulo de alguns líderes governistas. A base do governo tem que ser comandada diretamente. Não temos mais porque fazer contato via líder. Nesse colégio de 19 parlamentares que estão sendo processados, incluindo agora o presidente Severino Cavalcanti (PP-PE), temos várias figuras importantes, como um ex-presidente da Casa, um ex-líder de governo e líderes de bancadas importantes.

JC – Qual sua avaliação sobre o ingresso nas fileiras socialistas do ministro Ciro Gomes?
Beto – O PSB está crescendo nesse momento de crise porque está se mantendo coerente, tem um grande desafio no ano que vem que é vencer a cláusula de barreira. O partido que não fizer 5 milhões de votos em nível nacional para deputado federal vai acabar. Não vai ter exercício parlamentar na Câmara e no Senado, não vai ter tempo de tevê e nem fundo partidário. Nossa meta é atingir esse número de votos, já fizemos isso na última eleição. O ingresso do ministro Ciro é um avanço importante, é uma reserva moral que o Brasil tem hoje, um homem preparado e experimentado.

JC – O PSB irá trabalhar para trazer outros petistas descontentes?
Beto – A partir do dia 18, quando o PT confirmar o continuismo da visão diretiva, será o momento para o PSB crescer ainda mais como opção de esquerda. Nós elegemos 22 deputados. Quando saiu o Garotinho caímos para 16, retomamos os 22 agora, e acho que deveremos chegar até 30 deputados até o fim desse mês. Posso assegurar que os petistas que vierem a deixar o partido serão bem recebidos no PSB. Independente de ser uma experiência boa ou ruim, a presença do Garotinho no PSB nos destinguiu na última eleição presidencial, quando apresentamos um outro enfoque econômico.

JC – Com o desgaste da imagem do PT, há uma abertura maior para outros partidos de esquerda como o PSB?
Beto – O grande arranhão produzido pela alta cúpula do PT foi feito na imagem do campo de esquerda no Brasil. Acredito que a direita avance nesse contexto, em razão das frustrações geradas na população. O problema é que a esquerda brasileira sempre se pautou por agendas políticas e o PT no governo abandonou a política e adotou o pragmatismo. Nós do PSB estamos dispostos a conversar com tantos quanto sejam aqueles que querem manter um pensamento político de esquerda.

JC – Qual a sua avaliação sobre o episódio de tentativa de cassação do presidente da Câmara Federal, Severino Cavalcanti?
Beto – É muito improvável que ele não perca o seu mandato. Existe uma prova documentada. Mesmo tendo sido originada de uma fraude, se for verdadeira e se for a assinatura dele, o que fez em 2002 impede que prossiga com seu mandato de deputado. Nós temos que levar esse fato para a comissão de ética. Se dependesse de mim, ele não teria sido eleito presidente da Câmara. Muita gente achou que a eleição de Severino era uma forma de derrotar o governo. Nós dizíamos que essa era a forma mais equivocada de responder às atitudes de um governo.

JC – Diante da possibilidade de afastamento de Severino Cavalcanti, o governo já trabalha o lançamento de candidaturas?
Beto – O governo não pode continuar insistindo na indicação de partidos. Isso sucumbiu na eleição do próprio Severino. Seria impensável termos um deputado da minoria como presidente, como PFL, PSDB, PDT ou PPS, que são os quatro principais partidos de oposição ao governo. Temos que fazer uma discussão dentro da maioria. Temos que tirar a Câmara das cinzas e isso só será possível se formos capazes de indicar alguém que não seja 100% obediente e nem 100% oposição. Acho que essa é uma discussão que não tem que passar por dentro dos partidos. Temos que discutir perfil. Avançando o processo de cassação do Severino, vou entrar nessa discussão dentro e fora do PSB. Vou me colocar como candidato à presidência da Câmara, apresentando um pensamento novo, que de fato possa fazer a defesa do poder legislativo, estabelecer uma política pró-ativa e manter relações institucionais com os demais poderes.

JC – Como o senhor vê as punições aos deputados envolvidos? Acredita que todos serão cassados?
Beto – O julgamento e a cassação do deputado Roberto Jefferson é um passo importante para se gerar jurisprudência. Mesmo que ele resolva fazer o espetáculo de devolver o dinheiro como andam dizendo, o fato é que já esteve de posse do mesmo. A única forma de retomarmos a normalidade legislativa é colocarmos de novo em pauta os grandes assuntos do País. Temos o projeto da lei geral das microempresas esperando para ser votado, a criação da lei da pré-empresa, a política nacional de habitação e saneamento básico, a definição do papel das agências reguladoras, o orçamento para 2006, enfim, para que tudo isso se concretize precisamos antecipar o quanto antes as punições com a degola geral e imediata dos envolvidos.

JC – O senhor acredita na existência do mensalão?
Beto – O que acho é que houve uma relação promíscua entre os partidos, que teve origem no PT, que apostou em outras forças políticas como parceiros estratégicos em curto, médio e longo prazo. E no período eleitoral, muitos desses partidos que não trabalham no Brasil por causas nobres, mas por interesses próprios, foram fazer negócios para pagar suas despesas de campanha aproveitando a estrutura que o PT tinha quando chegou ao poder. Duvido muito que a origem desse dinheiro seja o Banco Rural. As CPIs nos devem, passados quatro meses de atuação, a noção de onde efetivamente tem origem esses financiamentos fáceis. O que demonstra talvez que esse banco tem sido apenas um duto de passagem de dinheiro cuja origem ainda não foi explicada.

JC – O PSB chegou a ser citado como um dos partidos da base que teriam recebido recursos do esquema montado por Marcos Valério. Isso pode ter acontecido?
Beto – Quem citou o PSB foi o senhor Delúbio Soares, na velha prática de querer contaminar pessoas ou partidos que nada têm a ver com o assunto. O PSB não teve institucionalmente nenhuma relação nas eleições com o PT, ao contrário, nos defrontamos muito com ele pelo País. Não discutimos eleições nem apoios recíprocos, seja através do diretório nacional ou com os diretórios estaduais. Muito menos tivemos contatos com o Delúbio, até porque ele estava preocupado com os chamados grandes parceiros. Mas uma coisa é clara: se alguém do PSB, individualmente, teve alguma relação, não seremos complacentes como está sendo o PT em relação ao Delúbio e todos os seus agentes.

JC – Na convenção do PSB foi aprovado o lançamento de candidatura própria ao governo do Estado. O senhor é o candidato natural para esta disputa?
Beto – O que o PSB está discutindo, neste momento, é como vencer o desafio da cláusula de barreira. Queremos conversar com vários partidos. Gostaria muito de ver, na próxima eleição, o PSB junto com o PCdoB e o próprio PTB que, no Rio Grande do Sul, tem grandes representações, começando pelo seu líder, senador Sérgio Zambiasi. O PL, sem a Igreja Universal, também seria um forte aliado. Em relação ao PT, sabemos que esse nunca foi capaz de enxergar um aliado como parceiro. Gosta muito de receber apoio, mas raramente será um partido capaz de ceder uma cabeça de chapa. Por isso, não cogitamos nesse momento uma aproximação. Achamos que o Rio Grande do Sul é um Estado, do ponto de vista da estrutura governamental, falido. Já privatizou tudo que tinha pela frente, enquanto o governo Rigotto tascou um aumento sem precedentes no ICMS, cancelou créditos de exportação e tomou todos os depósitos judiciais para pagar suas contas. Precisamos de um governo com coragem de remodelar o setor público, de tal forma que não tenha que apelar para aumento de impostos e, de outro lado, não achate a dignidade de professores e policiais, que são as categorias mais espezinhadas do serviço público estadual, além do quadro geral. Não vimos nada de novo no atual governo.