Nas Entrelinhas

Nov 24 2005
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Correio BrazilienseCorreio Braziliense, 24/11/2005
Nas Entrelinhas

Longe da Avenida Paulista

Começa a ganhar corpo um discurso favorável à retirada da sucessão de 2006 do eixo único de São Paulo. A reunião de Aécio, Itamar e Alencar é reflexo disso

Ainda é difícil saber até onde irão os efeitos, se poderão ser definidores de um novo perfil para a sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas começa a se esboçar um discurso de que a eleição presidencial precisa sair do eixo único de São Paulo. Uma percepção de que após os oito anos de Fernando Henrique Cardoso, de vida política em São Paulo, apoiado por um PSDB de cúpula essencialmente paulista, e de mais quatro anos de Luiz Inácio Lula da Silva, igualmente de trajetória política paulista, igualmente apoiado por uma cúpula na sua essência de São Paulo, é hora de mudar. De consolidar uma desconcentração econômica e política a partir da escolha de alguém oriundo de outro estado.

Esse é o resumo principal da articulação mineira que reuniu na terça-feira em Brasília o governador de Minas, Aécio Neves, o vice-presidente José Alencar e o ex-presidente Itamar Franco. Um encontro nada desprezível. Envolve a força institucional do segundo homem da República, o peso do presidente que iniciou o processo de estabilidade econômica e a linhagem de Tancredo Neves, aquele cuja vitória eleitoral permitiu o fim da ditadura militar e o início da redemocratização do país. Se nada é gratuito em política, muito menos em política mineira. Aécio, Alencar e Itamar não vieram almoçar em Brasília apenas porque apreciam a comida do restaurante Piantella.

O encontro do trio mineiro traz à lembrança uma outra reunião, ocorrida em 1984. O encontro do então vice-presidente Aureliano Chaves com o então governador de Minas, Tancredo Neves. Ali, começou-se a construção da Aliança Democrática entre o PMDB e o PFL. Ali, começou a ruir a ditadura militar. Se a nova reunião terá o mesmo efeito, ainda não se pode prever. Mas o fato é que não é apenas dessa articulação mineira que surge o discurso de que não se deve limitar em São Paulo e nas opções eleitorais paulistas o jogo da sucessão em 2006. No caso mineiro, Aécio deixou que Itamar Franco, que não tem grandes compromissos partidários, verbalizasse que o jogo no PSDB não deve ficar apenas entre o prefeito de São Paulo, José Serra, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin e, talvez, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. A mesma argumentação alimenta diferentes setores do PMDB, por exemplo, em torno da defesa de uma candidatura própria à Presidência.

O ex-governador Anthony Garotinho tem usado esse discurso nas peregrinações que faz em busca de votos no PMDB para se consolidar candidato. Diz ter pesquisas que mostram que, no Rio, mesmo pessoas que tradicionalmente não votam nele demonstram inclinação em escolhê-lo pelo simples fato de não ser mais um candidato de São Paulo.

Em outra ponta do mesmo PMDB, o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), tem usado o mesmo argumento para defender uma possível candidatura do governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos. “Ele não tem arestas do ponto de vista moral. Além disso, é um político do Nordeste, o que tira a discussão política desse eixo paulistano”, vem defendendo Renan.

Até em discussões de outros temas políticos, o discurso pela despaulistinização encontra eco. Ontem no plenário, o deputado Beto Albuquerque (PSB-RS) atribuía aos mesmos interesses paulistas as posições do PT e do PSDB a favor da manutenção da verticalização eleitoral. “Veja se isso interessa ao PSDB mineiro”, comentava. De fato, não deve interessar. Do contrário, o tucano Aécio, o peemedebista Itamar e Alencar, que recentemente ingressou no PMR, não estariam conversando. Seguramente, esses três partidos não estarão unidos na eleição presidencial. “É de novo a política brasileira submetida aos interesses de São Paulo”, concluía.

É um discurso que, portanto, ganha corpo entre políticos de outros estados. Resta saber se ganha força na opinião pública e até que ponto pode ser definidor de alguma mudança concreta. Por enquanto, as pesquisas ainda apontam a polarização entre paulistas. Politicamente, o pernambucano Lula é paulista. Como é paulista a cúpula da sua campanha e de seu partido. E é paulista seu adversário direto com mais chances, José Serra. Mas o fato é que a eleição de 2006 ainda permanece aberta. Fora Lula, que disputará a reeleição, o resto ainda é incógnita.