Marcha não salva a varig

Apr 12 2006
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Correio BrazilienseCorreio Braziliense, 12/4/2006
Marcha não salva a varig

Em ato marcado por esperança, funcionários da companhia viajam a Brasília, convocam parlamentares, vestem camisetas e gritam palavras de ordem. Mas só conseguem entregar carta no protocolo do Planalto

Com os uniformes de trabalho, funcionários unidos na Praça dos Três poderes tentaram sensibilizar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva

Movidos pela frustração com a atitude do governo diante da crise financeira da Varig, cerca de 300 funcionários da companhia aérea realizaram a “marcha pela salvação da Varig” ontem em Brasília. Mas se o Congresso recebeu os manifestantes e demonstrou apoio às suas reivindicações, o mesmo não aconteceu no Palácio do Planalto, onde só puderam protocolar a carta contendo a proposta das entidades representativas dos trabalhadores para a reestruturação da empresa.

O movimento começou pela manhã, quando os funcionários saíram do Rio de Janeiro em uma aeronave fretada junto à própria Varig — um MD-11, modelo utilizado em viagens internacionais. Segundo a direção da Trabalhadores do Grupo Varig (TGV), o fretamento custou US$ 30 mil. Pilotos, comissários de bordo e aeromoças vestiam os uniformes de trabalho, enquanto outros funcionários e aposentados da empresa trajavam camisetas amarelas com os dizeres “Por uma nova Varig” e “Unidos pela Varig”. Todos levavam uma fita verde e amarela no peito, em óbvia declaração de que a empresa é um patrimônio do Brasil.

Ao desembarcarem na capital federal, eles se dirigiram ao Congresso Nacional e percorreram os gabinetes dos deputados e senadores. “Viemos ratificar o apoio da frente parlamentar”, disse o diretor financeiro da Associação dos Pilotos da Varig (Apvar), Filipe Paiva. A frente em questão é o Grupo Parlamentar Misto em Defesa da Varig, coordenado pela deputada federal Yeda Crusius (PSDB-RS) e que reúne mais de 120 parlamentares de todas as legendas, tanto de governo como de oposição. Depois do corpo-a-corpo com os parlamentares, eles se concentraram no plenário 13 da Câmara, onde ouviram palavras de apoio de diversos políticos.

“O governo deveria ter a consciência de que o quadro mudou. Se ele insistir em uma solução de mercado, é sinal de que não vai fazer nada”, disse o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ). “É inaceitável que falte algum tipo de sensibilidade por parte do governo nesse momento. Não adianta adiar as decisões”, disparou o vice-líder do governo na Câmara, Beto Albuquerque (PSB-RJ).

Às 15h, eles deixaram o Congresso e iniciaram a caminhada até o Palácio do Planalto tocando apitos e bradando bordões como “a Varig unida jamais será vencida” acompanhado de alguns parlamentares, inclusive do partido do governo, como o deputado Marco Maia (PT-RS) e o senador Eduardo Suplicy (PT-SP). Mas a esperança de estabelecer diálogo com o presidente Lula ou com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, foi frustrada. Os representantes dos funcionários da Varig conseguiram chegar ao saguão do Palácio, mas apenas para que a carta com as propostas fosse entregue.

Os manifestantes ainda alimentavam a esperança de conseguir um interlocutor. Representantes dos aeroviários puderam conversar no final da tarde com os ministros da Defesa, Waldir Pires, e do Trabalho, Luiz Marinho. Enquanto aguardavam alguma notícia, os funcionários se concentraram em frente ao Ministério da Defesa. O piloto Paulo Antony, de 46 anos, há 20 na Varig, disse que se sente enganado pelo governo Lula. “É frustrante um partido dos trabalhadores não receber trabalhador algum em três anos e meio”. O aposentado Félix de Oliveira, de 74 anos (trabalhou 34 na companhia aérea), teme o pior com a falência da Varig : “Os benefícios do Aerus podem deixar de ser pagos em questão de meses”, afirmou.
————————————————————-Veto à parceria com a Ocean Air

Os apelos da Varig não convenceram a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que vetou a proposta de compartilhamento de vôos com a Ocean Air. Para o órgão regulador do setor aéreo, a proposta de fretamento de vôos da Ocean Air para atender cidades do Sul e Sudeste do país seria o mesmo que terceirizar a concessão da mais antiga companhia aérea brasileira em funcionamento.

Pelo acordo, a Ocean Air assumiria, durante 90 dias, as despesas operacionais dos vôos compartilhados, como leasing, combustível ou manutenção. Como a Varig tem aviões parados por falta de manutenção, seus passageiros voariam nas aeronaves da companhia parceira, que detém 0,6% do mercado interno.

As linhas que seriam compartilhadas eram dos trechos do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, para as cidades de Caxias do Sul, Passo Fundo e Porto Alegre, no Rio Grande do Sul; Belo Horizonte (Pampulha), em Minas Gerais; Joinville e Navegantes, em Santa Catarina; e Londrina e Maringá, no Paraná.

Durante o período do acordo, a Ocean Air arcaria com as despesas da Varig, que hoje inviabilizam as operações da companhia. Ao final, a Varig teria reduzido gastos e ganho tempo para tentar superar a crise. Já a Ocean Air ficaria com cerca de 10% dos horários e espaços da Varig nos aeroportos. A OceanAir é uma empresa do grupo Sinergy, presidido pelo empresário boliviano naturalizado brasileiro German Efromovich.

Para a Anac, no entanto, o fato de a Ocean Air não possuir infra-estrutura nos locais solicitados significaria um repasse dos espaços hoje ocupados pela Varig, o que não é permitido. Na prática, seria a simples transferência da concessão das linhas.

“A Varig não pode fazer transferência indireta de uma linha aérea, pois isso caracterizaria terceirização do serviço. A proposta fere o instituto das concessões de serviços públicos”, informou, em nota, o órgão regulador.

O número
PEQUENA – 0,6% é o percentual do mercado brasileiro dominado pela Ocean Air
————————————————————-Crise pode prejudicar Brasileirão

A crise na Varig pode afetar o Campeonato Brasileiro de Futebol da primeira divisão, o Brasileirão, com adiamento de jogos e outros transtornos referentes a despesas com hospedagem das delegações, diária de árbitros e falta de datas para o complemento das rodadas. A competição começa neste fim de semana com dez partidas. Em nove delas, atletas e comissão técnica dos clubes visitantes dependem de bilhetes aéreos para chegar ao local do jogo.

O Clube dos Treze, responsável pela comercialização do campeonato, tem acordo com uma agência de turismo, a Pallas Operadora, que, por sua vez, mantém contrato com a Varig para a emissão de passagens aos 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro. A empresa aérea explora a sua marca, com placas publicitárias, em todos os estádios em que são disputadas partidas pela primeira divisão do futebol brasileiro.

Com a possibilidade de cancelamento de vôos ou até mesmo do fim das operações da Varig, a Pallas poderia recorrer a duas empresas, TAM e Gol, como consta do contrato da agência de turismo com o Clube dos Treze. Mas isso não seria uma garantia de que haveria disponibilidade de bilhetes para todas as delegações ao longo do campeonato – de 15 de abril a 3 de dezembro.

"Se as demais empresas não atenderem a demanda da Varig, a situação pode se complicar. Existe esse risco", disse o presidente do Clube dos Treze, Fábio Koff. O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, não escondeu sua preocupação sobre o desfecho da crise da Varig. "Se você perguntar a qualquer pessoa do meio (do futebol), ninguém vai saber dar uma alternativa (ao problema), porque não sabe o que pode acontecer no dia de amanhã. Temos que ficar observando e nos preparar para eventualidades", disse. O impasse pode também prejudicar compromissos da seleção. A CBF tem parceria com a Varig, utiliza suas aeronaves para vôos fretados e habitualmente recorre à empresa para compromissos no exterior da seleção brasileira.

Ações em queda
As ações da Varig despencaram quase 27% nos últimos dois dias com o agravamento da situação da empresa. Os papéis preferenciais da companhia fecharam em baixa de 8,7% ontem. A baixa liquidez do papel e a impressão de que a situação da companhia está longe de se resolver pioraram a percepção dos investidores. Desde o início do ano, os papéis preferenciais da empresa acumulam queda de 40%.

As quedas expressivas são motivadas em parte pelo baixo número de negócios. Segundo o analista de aviação do Unibanco, Carlos Albano, o perfil de investidores na Varig é composto principalmente de pessoas físicas. "O comportamento do papel deverá seguir em linha com o noticiário", disse. Segundo ele, dois fatores explicam o comportamento do papel: a deterioração das expectativas com o noticiário sobre a empresa e a baixa liquidez do papel, que favorece fortes oscilações percentuais. As ações fecharam hoje cotadas a R$ 0,84.

Como ficam as milhas

Quem já emitiu passagem pelo Smiles
Se o vôo for cancelado, o cliente pode negociar com a própria Varig um novo horário de vôo ou tentar endossar o bilhete em outra empresa aérea. Em caso de falência da companhia, a expectativa é que as concorrentes aceitem as passagens, caso haja vaga nos vôos para o destino desejado.

Quem tem milha suficiente para rotas internacionais
Como a Varig faz parte do grupo Star Alliance, que congrega outras 17 companhias aéreas em todo o mundo, existe a possibilidade de aproveitamento das milhas em uma dessas empresas. A Star Alliance ainda não confirmou se absorverá o programa de fidelidade da Varig em caso de falência.

Quem tem milha suficiente para vôos domésticos
Se a empresa fechar, a possibilidade das demais companhias assumirem o programa de milhagem da Varig é remota. Como o Smiles funciona como uma bonificação, não há obrigatoriedade de reembolso das milhas não usadas.