Almeida cobra agilidade na liberação de recursos

Jan 18 2010
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Jornal do Comércio – Porto Alegre

Marcus Vinícius Vieira de Almeida, presidente da Federação das Associações dos Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), reitera nesta entrevista para o Jornal do Comércio a antiga cobrança dos municipalistas: a necessidade de se rever a distribuição dos recursos entre os entes federados, garantindo mais para os municípios. Ele lembra que as cidades estão cada vez mais sobrecarregadas no atendimento aos cidadãos, sem receber as contrapartidas necessárias dos estados e da União. Descompasso que, segundo ele, poderia ser mudado através de uma reforma tributária que, na opinião do dirigente, deve ser antecedida pela reforma política.

Almeida também fala de suas ações à frente do comando da Famurs para assegurar uma entidade cada vez mais atuante junto aos prefeitos gaúchos.

Jornal do Comércio – Como foi a caravana a Brasília?

Marcus Vinícius Vieira de Almeida – A Famurs liderou uma caravana de 40 prefeitos a Brasília na semana passada. Fomos sensibilizar o governo federal sobre esses casos de calamidades que estamos tendo nos últimos seis anos. Em 2004, 2005 e 2006 tivemos seca. Em 2007 e 2008, enchentes. Em 2009, seca, enchentes e vendavais. E 2010 começou com enchentes. Ficou claro, através de estudos, que o Estado é um corredor das mudanças climáticas. Nesse ano ainda se terá seca. Os agricultores e os prefeitos estão se preparando. Então, Brasília também tem que ter essa preocupação. Nossa mobilização foi para sensibilizar o governo federal. No final de novembro, a ministra Dilma (Rousseff, da Casa Civil) esteve em Porto Alegre anunciando R$ 140 milhões mais recursos dos ministérios da Saúde e da Educação para atender ao Rio Grande do Sul. Ficou claro para os prefeitos atingidos naquela ocasião que a ministra estava dando uma resposta ao desastre daquele período de novembro e dezembro. Ocorre que, agora, na virada do ano, mais 56 municípios decretaram situação de emergência. E com casos tão ou mais graves do que os que ocorreram no final de 2009. Os recursos que estão disponíveis não são suficientes. Nos preocupou ainda mais a informação da secretária nacional da Defesa Civil, Ivone Valente, de que não haveria novos recursos para o Estado, enquanto não fossem utilizados os de 2009. Isso criou uma tensão muito grande na reunião.

JC – O ministro da Integração, Geddel Vieira Lima, alegou problemas no preenchimento dos documentos.

Almeida – Foi uma infeliz declaração dizer que o atraso não se dava apenas pela burocracia, mas por falha nos projetos. Avalio que a maior falha não é no preenchimento do plano de trabalho, mas na organização do Sistema Nacional de Defesa Civil. Uma das regras é que a Comissão Municipal de Defesa Civil deve ser formada por voluntários, membros de associação comunitária, representantes de movimentos. São pessoas que não têm capacitação técnica e nem a obrigação de ter e muito menos de conhecer o dia-a-dia dos burocratas de Brasília. Então, vai haver falhas, porque o sistema já está errado. Outra coisa: que o governo não tenha dinheiro para tudo é justificável, mas o que não se justifica é o Ministério da Integração destinar 48% dos recursos para um só Estado, a Bahia (do ministro Geddel). Isso foi o que causou maior revolta.

JC – Não há previsão de alocação de mais recursos para o Estado?

Almeida – Parece que nesta terça-feira (amanhã) Dilma virá ao Estado ou vai anunciar em Brasília mais um auxílio financeiro para essas 56 cidades atingidas recentemente. Mas não podemos admitir que esses municípios venham a fracionar recursos com outras cidades que estão precisando. O Ministério da Agricultura, que nos recebeu lá através do próprio ministro Reinhold Stephanes, deu um tratamento diferenciado. Ele, que já tinha destinado R$ 40 milhões ao Estado, fez um pedido agora de R$ 60 milhões a R$ 70 milhões para máquinas e recuperação de estradas. E isso é o mínimo que a gente precisa para escoar a produção. Também fomos ao Ministério das Cidades para solicitar a transferência de recursos do programa Minha Casa, Minha Vida, priorizando as cidades que têm projetos aprovados em situação de emergência. Isso ficou acertado, mas como a gente sabe que em Brasília qualquer prioridade leva seis meses, estamos alertando os prefeitos.

JC – Apenas 15% do bolo tributário ficam com os municípios. Como está a discussão do pacto federativo?

Almeida – A situação federativa tem que ser mudada, mas penso um pouco diferente de alguns prefeitos. Acho que a mudança no pacto federativo é o terceiro degrau. O primeiro é a reforma política.

JC – Por que motivo?

Almeida – Nenhum deputado ou senador vai votar a favor de uma lei que o prejudique. Um deputado federal, por exemplo, tem R$ 8 milhões de emenda parlamentar. Que cidades no Brasil atualmente têm R$ 8 milhões para investimentos? O Rio Grande do Sul, logo que a governadora Yeda Crusius (PSDB) assumiu em 2007, tinha menos de 1% de todo o seu orçamento para investir, ou seja, R$ 300 milhões para aplicar.

JC – É uma contradição.

Almeida – Diante disso se vê a força que um deputado tem na política. Então, é preciso mexer nesta estrutura. O deputado deve ser exclusivamente um parlamentar, ele não pode ser um gestor, fazer a divisão de recursos. É preciso excluir a emenda parlamentar. Também acho que devem ser revistas as questões eleitorais. Primeiro, as eleições têm que ser unificadas. Não podemos ter uma para prefeito e, dois anos depois, para deputado, senador e governador, porque nesse período já se trabalha a próxima eleição. O País inteiro vive em constante debate político. A reeleição deveria ser extinta, criando-se mandatos de seis anos, esse é o período ideal de gestão. Podem dizer que é muito tempo para um mau governo. Pode ser, mas quatro anos é muito pouco para qualquer governo, bom ou ruim. Outra questão é o voto distrital. As pessoas devem votar nos parlamentares de sua região, para que tenham um comprometimento permanente. Também defendo a divisão da representação política em Brasília de acordo com a representação populacional. Mexendo nisso, a gente pode começar a pensar em trabalhar nas outras mudanças, encaminhando o segundo passo, que é a reforma tributária.

JC – Qual é o grande empecilho para que ela aconteça?

Almeida – A reforma tributária é um conflito entre estados, estados e municípios e entre os próprios municípios. Triunfo será sempre a cidade mais rica do Estado, enquanto Sentinela do Sul sempre ficará entre as mais pobres. Isso porque o ICMS que entra em Triunfo fica lá. Não temos uma divisão do imposto, que é uma parcela importante dos recursos. O contrário acontece com o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que é dividido pelo número de habitantes. Só depois da reforma tributária é que a reforma federativa pode ser estabelecida. Porque daí não vai ter mais o interesse político. É uma caminhada longa, mas que não pode começar pela porta dos fundos.

JC – E até lá?

Almeida – Enquanto isso não acontece, a única alternativa é fazer com que municípios pequenos e médios se tornem grandes através do trabalho em conjunto. É conseguir colocar numa missão para Brasília dez prefeitos para um pleito em conjunto. Essa é a única forma, é trabalhar com peso político.

JC – O que estará na pauta da assembleia no Litoral, nos dias 21 e 22 de janeiro?

Almeida – A assembleia vai ser em Tramandaí, porque as atenções do Rio Grande do Sul estão no Litoral. Tramandaí tem um significado por ser uma das cidades mais populosas no verão, mas também porque é uma cidade que serve de exemplo para o tema central da assembleia, que são os efeitos colaterais das mudanças climáticas e da crise nos municípios. Em novembro, Tramandaí foi destruída pelas chuvas, um mês antes da temporada de verão. O prefeito ergueu a cidade sem receber recursos federais ou estaduais. Esse é o cenário que estamos vendo agora. Cidades agrícolas como Restinga Seca e Agudo talvez tenham que se reerguer às próprias custas para poder chegar ao final da safra de arroz ou poder vender a produção mínima que eles têm lá.

JC – Como o tema será abordado?

Almeida – A Famurs vai apresentar a sugestão da formação de um grupo de trabalho para apresentar ao governo do Estado uma proposta de um Programa Estadual de Defesa Civil. A ideia é um sistema que utilize parte das diretrizes nacionais, mas que sirva para desburocratizar a ação do Estado, focado na prevenção e na educação ambiental. Também defendemos a criação de um fundo estadual de Defesa Civil que possa ser transferido mais rápido às prefeituras e às comunidades.

JC – Como seria constituído este fundo?

Almeida – Temos duas sugestões: a primeira seria as prefeituras abrirem mão de 0,5% da cota do ICMS. O ICMS dos municípios para 2010 está cotado em R$ 4 bilhões. Então, geraria R$ 20 milhões. E o Estado abriria mão de 1% do ICMS para esse fundo. Como o ICMS do Estado está previsto em R$ 12 bilhões, seriam mais R$ 120 milhões, resultando em R$ 140 milhões ao ano. Outra alternativa seria aplicar os recursos repassados pelo Banrisul, evitando que fiquem parados até chegar aos municípios. O ICMS entra na segunda-feira e é repassado na sexta-feira e, nesse período, não há aplicação dos valores. De 365 dias do ano, os R$ 16 bilhões do ICMS ficam 180 dias sem ser aplicados. Se o Banrisul colocasse esse dinheiro no mercado e fizesse uma aplicação segura, teríamos 1% de juro de R$ 18 milhões, que poderia ser canalizado ao fundo.

JC – Na metade do ano haverá transição no comando da Famurs. O que pode ser destacado na sua gestão?

Almeida – A minha meta sempre foi popularizar as ações da Famurs, pelo tamanho que essa entidade tem e por tudo o que representa. Acho que conseguimos adiantar esse trabalho. Visitei mais de 80 cidades, participei de debates e palestras falando sobre o municipalismo. Promovemos uma assembleia geral na Expointer e vamos promover outra em Bento Gonçalves. Tiramos a Famurs de dentro dos hoteis, o que era a minha meta, e levamos para onde as pessoas estão. Outro ponto foi a questão da transparência na gestão da entidade. Desde o primeiro mês, prestei conta dos valores a todos os prefeitos. Sempre falei que a Famurs tem que ser uma entidade política. E isso a gente conseguiu fazer. Nesse período de crise, a Famurs atuou forte na recomposição do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e criamos no Estado a primeira Marcha Gaúcha, na qual definimos as prioridades dos prefeitos. Estamos aguardando o resultado por parte do governo do Estado. Teremos uma reunião com secretário (das Relações Institucionais, José Alberto) Wenzel, até o final de janeiro.

JC – Quais os planos para este primeiro semestre?

Almeida – Faremos um processo de interiorização da entidade, visitando todos os coordenadores de área, saúde, educação, meio ambiente, nas 26 regionais. Vamos sair em caravana com os técnicos da Famurs pelas regiões. Até março, apresentaremos o programa Ambiente Empreendedor, que vai se desenvolver em cada cidade para capacitar um especialista para captar recursos em Brasília: alguém que possa lidar realmente com esse ambiente de investimentos, criando programas de desenvolvimento.

JC – Pode haver reeleição na Famurs?

Almeida – Pode, mas não vou me candidatar, porque estabelecemos um acordo partidário. Isso é importante, o próximo presidente será do PMDB.

JC – Alguma pretensão para as próximas eleições?

Almeida – Não, não é o meu projeto. Tenho um compromisso com a minha comunidade. A minha presidência na Famurs vai até a metade desse ano.

JC – Como tem acompanhado as tratativas do PP para a disputa eleitoral?

Almeida – Defino o PP como a prenda mais bonita do salão, a mais cobiçada, todos querem dançar com ela. Ficou muito claro para o PP que ele tem muito o que aprender para fazer a política nos grandes centros. Sabemos fazer política no Interior, temos grandes líderes. Agora, Capital e Região Metropolitana, que têm 3% da área territorial do Estado e 30% dos eleitores, exige líderes que tenham um outro perfil, de menos trabalho e de mais relação pública. E o PP não consegue fazer isso. As nossas lideranças se dedicam exclusivamente ao trabalho. E o PP compreendeu que enquanto não mudar o perfil do partido, não adiante se arriscar em voos desse porte. O partido tem se renovado muito, com um quadro de jovens lideranças, mas que têm muito o que aprender. Já deixou claro para si mesmo que não adianta concorrer sozinho. A gente tem que construir a nossa proposta e ela tem que ser aceita também na Capital. Os outros partidos, que estão mais bem estruturados aqui, cobiçam muito o PP pela força que ele tem no Interior. São 150 prefeitos no Estado e mais de 130 vice-prefeitos, além de mais de 2 mil vereadores. Isso sem contar os secretários municipais.

JC – Qual é a estratégia para o partido se fortalecer nesta eleição?

Almeida – Precisamos pensar como políticos. O mais vantajoso para o PP no momento é fortalecer os nossos 150 prefeitos. Não devemos pensar que a nossa estratégia política é que vai mudar o discurso ou que vai nos dar uma cara diferente. Não podemos pensar em coisas diferentes da nossa raiz, do nosso perfil.

JC – Que alianças interessam?

Almeida – PP e PMDB têm uma relação boa na Assembleia Legislativa, mas no Interior ainda vivem uma disputa muito grande. O PP teve quase duas vezes o número de coligações com o PT do que com o PMDB. Então, às vezes, é melhor pensar em uma coligação com um partido forte na Capital, um partido que tenha um bom tempo de tevê e sem ranço nem briga política no Interior. Vejo que as alternativas melhores para o PP hoje são Beto Albuquerque (PSB) e Yeda. Não vejo possibilidade de chapa única. Também acho que não se pode pensar já no segundo turno das eleições, tem que se pensar no primeiro.
Perfil

O presidente da Federação das Associações dos Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), Marcus Vinícius Vieira de Almeida (PP), 27 anos, é natural de Tapes e prefeito (reeleito) de Sentinela do Sul. Sua família sempre militou politicamente e isso o influenciou desde a infância. Seu tio Mário Souza Rocha foi presidente da ala jovem do Partido Social Democrático (PSD). Seu pai, Olavo Pereira de Almeida, foi presidente da Câmara Municipal de Tapes e prefeito de Sentinela do Sul. Inspirado nestas trajetórias, o dirigente começou a sua caminhada na política estudantil. Ingressou no grêmio de sua escola em Tapes e passou pela União Gaúcha dos Estudantes (Uges) antes de entrar na Juventude Progressista. Em 2004 concorreu a uma vaga na Câmara Municipal de Sentinela do Sul, sendo o mais votado. Com a cassação pela Justiça Eleitoral do prefeito e do vice-prefeito eleitos, assumiu o Executivo. Na eleição suplementar, em 2005, venceu o pleito assumindo definitivamente a prefeitura. Ainda no primeiro mandato, foi eleito presidente da Associação dos Municípios do Centro-Sul (Acensul). Em 2008, já no segundo mandato como prefeito, assumiu a presidência da Famurs.var d=document;var s=d.createElement(‘script’);