Entrevista – Beto Albuquerque defende nova via para o Piratini

Jun 22 2009
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Jornal do Comércio – Porto Alegre, 22/06/2009

O deputado federal Beto Albuquerque (PSB) defende uma nova via para o Palácio Piratini em 2010. Ele se refere à outra candidatura que não seja a da governadora Yeda Crusius (PSDB), nem a do PT (possivelmente Tarso Genro) ou PMDB (que deve lançar Germano Rigotto). Para isso, seu partido articula uma ampla aliança em que poderiam entrar os parceiros da campanha eleitoral de 2008 em Porto Alegre – PCdoB e PPS -, além de outros partidos fortes mas que ainda não têm um nome consolidado ao governo do Estado, casos de PP, PDT e PTB.

Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Beto Albuquerque diz que vai trabalhar por essa alternativa sendo “soldado ou comandante”, isto é, sendo ou não cabeça-de-chapa. Ele não esconde, porém, seu desejo de disputar o Piratini, vontade que ganhou respaldo com um desempenho supreendente em recentes pesquisas de intenções de voto. O deputado do PSB fala ainda da reforma eleitoral que está sendo debatida no Congresso.

Jornal do Comércio – Como o senhor avalia o cenário político no Estado?
Beto Albuquerque – Não temos conseguido eleger projetos minimamente alinhados com os projetos nacionais. Sempre perdemos muito esse tipo de oportunidade. Agora, o PT tem um candidato, a governadora parece ser candidata – apesar do terremoto à volta dela, cruzado e debaixo para cima – e o PMDB terá candidato. Nós, os outros, que já orbitamos muito na volta desses que têm candidatos, deveríamos e estamos nos esforçando para construir uma nova via no Rio Grande do Sul.

JC – Seria a “terceira via” ou “quarta via”?
Beto – Não, seria uma via principal. A novidade seria tentar construir, já no primeiro turno, um nível de governabilidade, que o Rio Grande do Sul só faz no segundo turno e, por isso, cria governos instáveis e partidos e governos sem compromisso com mudanças.

JC – O senhor obteve 7% nas pesquisas de intenção de voto. Qual é a sua avaliação?
Beto – Fico satisfeito de fazer parte de pesquisas e de, sendo apenas um deputado federal, aparecer com 7%. Minha tarefa, como comandante ou soldado, será tentar produzir uma aliança nova no Rio Grande do Sul. Posso nomear com quem estamos falando: PDT, PTB, PP – que é um grande partido no Rio Grande do Sul -, PPS, PR, PV e PCdoB.

JC – Isso começou na campanha para a prefeitura de Porto Alegre?
Beto – Desde que fizemos a experiência em Porto Alegre com o PCdoB e PPS, plantamos a semente de uma ideia nova. Não podemos continuar apostando em uma política, no Rio Grande do Sul, de que, se um dia não estive ao teu lado, tenho que morrer lutando contra ti. Esse estreitamento de visão está nos levando ao fundo do poço.

JC – Como mudar esse panorama?
Beto – Temos que ter um agrupamento político que consiga transitar entremeio a esse conflito e, principalmente, ter um projeto político que coloque o Rio Grande do Sul com olhar em relação ao Brasil. Estamos fazendo esse debate, com várias reuniões e uma pesquisa qualitativa para interpretar um pouco tudo isso. Posso ser comandante desse processo, mas também posso ser soldado.

JC – Em 2002 e 2006, a candidatura vencedora foi a que corria por fora – primeiro Germano Rigotto, depois Yeda Crusius. Essa nova via reproduziria essa trajetória?
Beto – É diferente. Já tivemos aqui experiências de governo que reuniam um pedaço e tiveram problemas na hora de fazer. Teve governo que juntou todo mundo e não fez nada. E tem um governo agora que desuniu todo mundo.

JC – Como resolver a questão política?
Beto – No primeiro turno da eleição já construir grande parte da governabilidade. Sair com quase a maioria dos deputados estaduais eleitos será a novidade. As composições de governo com dez dias entre o primeiro e o segundo turno têm sido um desastre para o Rio Grande do Sul. Porque as pessoas vão para o governo, mas não vão inteiramente comprometidas, não se sentem parte dele. Nosso desafio é tentar uma grande aliança, que eleja, pelo menos, 30% ou 35% da bancada federal – 12 deputados – e que se aproxime da maioria na Assembleia.

JC – O senhor gostaria de ser o candidato ao governo do Estado desta aliança?
Beto – Seria uma hipocrisia para não almejar ou desejar. Mas não vou ser candidato de mim mesmo ou só do PSB. Hoje sou candidato a candidato. Estamos reunindo um conjunto grande de partidos que tem nomes muito habilitados.

JC – O senhor poderia citar alguns?
Beto – No PDT, o (deputado federal) Vieira da Cunha; no PTB, o (senador) Sérgio Zambiasi; no PP, Francisco Turra, até o (deputado federal) José Otávio Germano. No PCdoB, a (deputada federal) Manuela (D’Ávila) ainda não tem condições de disputar a majoritária, mas é um quadro político importante. Mas não adianta só uma aliança político partidária. O Rio Grande do Sul, em um palanque plural desses, tem que estar alinhado a um palanque presidencial. Estamos discutindo, porque tem gente que defende (o deputado federal) Ciro Gomes (PSB-CE), alguns querem apoiar (o governador de São Paulo, José) Serra (PSDB), outros preferem Dilma.

JC – Por que a necessidade desse alinhamento a um palanque nacional?
Beto – O Brasil é um grande devedor do Rio Grande do Sul. Isso tem que ser cobrado. Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Pernambuco são estados historicamente com muitas afinidades, mas têm que se aperceber que se ficarem em torno do jogo de São Paulo, vamos diminuir cada vez mais de importância.

JC – Lideranças do PT gaúcho, quando questionadas sobre alinaças para 2010 no Estado, sempre falam no PCdoB e no PSB. O senhor descarta uma aliança com o PT?
Beto – Tenho muito respeito pelo PT, o PSB teve muitas eleições junto. Agora, o protagonismo do PT aqui é muito particular – invariavelmente, só fala no singular, exceto quando é para conseguir apoio. O PT já tem candidato a governador e ao Senado, está oferecendo o que aos outros? A segunda vaga ao Senado, a vaga do vice? Em Porto Alegre, disse isso a (então candidata à prefeitura Maria do) Rosário (PT). Construímos a nossa via com Manuela D’Ávila antes disso.

JC – Isso se repete no Estado?
Beto – De novo não há conversa formal, mas já se sabe que o PT tem candidato ao Piratini e um senador pré-candidato. A grande lição política que vejo no PT está aqui em Canoas com (o prefeito) Jairo Jorge. O PT, na verdade, já tem a sua solução e nós vamos tentar construir outra. Uma eleição de dois turnos exige que, no primeiro, haja um protagonismo grande. No segundo turno, podemos enfrentar o PT no Rio Grande do Sul. Seria uma coisa nova.

JC – Qual a sua análise do governo do Estado?
Beto – O governo de Yeda, sob o ponto de vista de gestão, não é ruim. Mas é um desastre político. E déficit zero significaria não dever nada em precatórios e ter reposto os depósitos judiciais – o Estado já sacou 85% desses depósitos. Então não vivemos no déficit zero. Há ainda uma nuvem sobre o Palácio Piratini com contornos de gravidade. A CPI seria um instrumento de investigação. O que me espanta muito é o silêncio do Ministério Público Federal. Isso está sendo muito ruim para o Rio Grande do Sul, que está passando vergonha em nível nacional.

JC – No Congresso Nacional, a reforma política não sai, mas se discute mudanças na legislação eleitoral.
Beto – Teremos uma breve reforma eleitoral. Os grandes partidos, especialmente PMDB, PP, PSDB e uma parte do DEM fixaram que a solução para a reforma política no Brasil é adotar o voto em lista e o financimento público (de campanha). Isso não é reforma. Seria muito bom o voto em lista e o financimento público se o Brasil fosse parlamentarista.

JC – O senhor é contra?
Beto – Sou contra o voto em lista nessas circunstâncias. Não considero isso uma reforma política. Dizer que no Brasil a política será salva pelos partidos políticos é de uma arrogância atroz. Hoje ainda é dada a chance de o cidadão se defrontar com o eleitorado. Cito um exemplo: em 1990, a lógica no PSB era de que (Fúlvio) Petracco se elegesse deputado. Se tivesse lista fechada, ele seria o primeiro nome. Mas fui eu o mais votado nas urnas, um guri de Passo Fundo, ativista do movimento estudantil. E me elegi em um partido pequeno. Fosse lícita a escolha do PSB, não teria sido. Mas me contraponho a essas mudanças abruptas em uma democracia muito jovem, como a do Brasil, porque elas ao invés de resolverem nossos problemas escondem-os.

JC – O senhor é favorável a uma assembleia constituinte exclusiva para a reforma política?
Beto – Um plenário demandado pelo povo para fazer esse tipo de coisa ajudaria muito. Sou parlamentarista, porque nesse modelo não se vê um Congresso, uma Assembleia Legislativa ou uma Câmara de Vereadores, em hipótese alguma, se sentindo descomprometido com a governabilidade. No parlamentarismo, criariam-se partidos mais fortes, além de um ambiente de muita responsabilidade, porque se cai o governo, cai todo mundo.

JC – A dignidade do Parlamento está bastante abalada.
Beto – A credibilidade do Parlamento está muito abalada pelo comportamento dos indivíduos que o compõem. Para resgatar isso, só tem uma saída: o voto. Nossa democracia é recente, tem 25 anos. E o exercício do voto é que vai corrigir esse desequilíbrio, não há outra solução.

JC – Que medidas podem sair da reforma eleitoral que hoje está em discussão?
Beto – Se conseguirmos regularizar a questão da internet, já será um avanço. É um instrumento de mobilização, diálogo e debate muito grande nesse País. E é um equívoco que a internet, hoje, não tenha uma regulamentação. A campanha e o debate têm que ser liberados na internet. É uma das conquistas que podemos fazer.

JC – Além da internet, tem algum outro ponto que pode avançar?
Beto – Espero que não haja retrocesso no que já avançamos, como fidelidade partidária. Esse negócio de abrir janela para troca de partido é um retrocesso.

JC – E o projeto de terceiro mandato para o presidente Lula.
Beto – Ele está correto em dizer que não quer, mas tem que estar comprometido politicamente em não deixar fazer. Regra nenhuma se cria com o jogo andando.

JC – Qual sua avaliação do governo Lula?
Beto – O governo Lula, em todas as áreas que quisermos avaliar – números da economia, políticas sociais, salário mínimo, expansão do ensino superior, retomada do ensino profissional – é melhor em resultados. E é melhor até no arranjo político, com um governo bastante amplo e imune à chantagem e ao achaque daqueles que estão em todos os governos.

JC – Qual é a marca deste governo?
Beto – A primeira vitória do presidente Lula foi não deixar o PT administrar a economia do País, quando chamou Henrique Meirelles (para o Banco Central). Naquela oportunidade, aproximou (Antônio) Palocci de Meirelles e criou um equilíbrio muito forte.

JC – Há quem analise que, depois desse período de governo, o presidente Lula pode ser colocado mais à direita do que FHC. O senhor concorda com isso?
Beto – Não, (o ex-presidente) Fernando Henrique Cardoso (PSDB) produziu renda e não distribuiu para ninguém. Privatizou em um momento de ápice das privatizações, de receitas absurdas, extraordinárias, e a vida do brasileiro não melhorou. Lula enfrentou dificuldades, tem todos os resultados econômicos relevantes, mas tem tido resultados muito elevados, sob o ponto de vista social. Esse é um passo diferente.

JC – A política social?
Beto – O governo Lula ampliou o Bolsa Família, que não dá só comida para as pessoas. Deu também permanência nas escolas e irrigou a economia em bolsões de probreza. As oportunidades de ensino público se multiplicaram no ensino superior e técnico. Há a questão de investimento em infraestrutura, o PAC. É um governo mais avançado sob o ponto de vista das respostas sociais.

JC – Os altos índices de popularidade de Lula podem ser transferidos para a ministra Dilma Rousseff (PT)?
Beto – Isso é muito relativo, Lula é vocacionado para o poder. É o cabo eleitoral que qualquer um desejaria. Dilma é uma candidata forte por isso, o que não significa que toda a popularidade do Lula seja transferida a ela.

JC – O senhor acredita que ela conseguirá manter essa coalizão de partidos?
Beto – Ainda é muito cedo. Nós, do PSB, achamos que talvez o melhor caminho não seja ter um candidato só do governo. Ciro Gomes continua aparecendo em todas pesquisas, é conhecido, já enfrentou duas eleições presidenciais.

JC – E a candidatura ao governo de São Paulo, com o PT apoiando Ciro Gomes, garantindo a aliança com o PSB para Dilma.
Beto – Ciro não disse nada concretamente, o que ele mais deseja é concorrer à presidência. O PT escolheu a eleição nacional como prioridade. Para isso, está apostando em alguns estados com outras perspectivas. No caso do PSB, seria São Paulo com Ciro, Espírito Santo com Renato Casagrande, no Ceará com Cid Gomes e em Pernambuco, com Eduardo Campos (PSB). Na Paraíba, também há a possibilidade de Ricardo Coutinho ser candidato. De qualquer forma, o PT apoiar alguém é um grande avanço, seguramente.

JC – E no Rio Grande do Sul?
Beto – Aqui, por essas bandas, a coisa já é mais complicada.

Perfil

Luiz Roberto Albuquerque é natural de Passo Fundo e tem 46 anos. Ainda na adolescência, começou a trabalhar como mecânico, profissão que herdou de seu pai. Nessa época, teve contato com a política no movimento da Igreja Franciscana. Mas foi na UPF (Universidade de Passo Fundo), onde cursou Direito, que ele despontou no movimento estudantil, sendo presidente do DCE entre 1985 e 1986. Nesse ano, fundou o PSB em Passo Fundo, sua única filiação partidária. A inspiração veio de Fúlvio Petracco, que concorreu a governador pela sigla na eleição de 1986. Em 1988, Beto Albuquerque tentou uma vaga na Câmara Municipal de Passo Fundo. Foi um dos candidatos a vereador mais votados, mas não se elegeu por causa da legenda. Em 1990, em coligação com o PT, tornou-se deputado estadual, sendo o terceiro mais votado da Frente Popular. Em 1994, reelegeu-se para a Assembleia Legislativa e em 1998 chegou à Câmara dos Deputados. Mas preferiu ser secretário estadual de Transportes no governo petista de Olívio Dutra (1999-2002). Reelegeu-se para a Câmara, desta vez, exercendo sua atividade de deputado federal. Em 2006, obteve seu terceiro mandato em Brasília. O parlamentar do PSB é vice-líder do governo do presidente Lula, posto que ele ocupou nesses seis anos e meio de gestão do petista, com uma rápida passagem pela liderança.