Álcool e impunidade

Feb 13 2006
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[13/02/2006]

O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) representou um avanço decisivo para o país. Entretanto, oito anos depois de sua aprovação, persiste o desafio de fazer ajustes necessários e, principalmente, estimular a conscientização da sociedade brasileira para a idéia de que o trânsito seguro é direito de todos e responsabilidade de cada um de nós. Não é a guerra ou a violência urbana que mata mais pessoas no mundo, mas o trânsito. Apenas no Brasil, cerca de 30 mil pessoas morrem a cada ano em decorrência da irresponsabilidade no trânsito.

Pelos dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OECD), os acidentes de trânsito provocaram em 2002, 1,2 milhão de mortes no mundo, enquanto 600 mil pessoas perderam a vida em homicídios e 300 mil em conflitos armados. O problema é comum a países pobres e ricos, sem exceção, e põe em alerta as autoridades públicas de trânsito e da saúde. Esse saldo já levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) a definir como tema do Dia Mundial da Saúde a segurança no trânsito. A idéia foi a de chamar a atenção para um dos mais graves problemas de saúde pública que, além da tragédia de produzir vítimas fatais, gera custos muito elevados, quase incalculáveis, para a sociedade, com atendimento médico-hospitalar e reabilitação de acidentados, processos judiciais, despesas previdenciárias e até os congestionamentos.

O resultado trágico da combinação de direção e álcool, segundo levantamento de órgãos de trânsito, indica que 65% das vítimas envolvidas em acidentes estavam alcoolizadas ou foram vítimas de alguém embriagado. Em países como a Dinamarca, esse número não ultrapassa 8%. Para combater essa impunidade, com a experiência de ex-secretário dos Transportes no Rio Grande do Sul, apresentei em 2003 um projeto que torna mais rigoroso o CTB. A proposta foi discutida e aprovada por unanimidade em votações na Câmara e no Senado Federal.

Conforme a atual redação do artigo 165 do Código de Trânsito, mesmo com sinais notórios de embriaguez, o motorista só pode ser considerado embriagado caso um exame comprove a existência de quantidade superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue. Isto significa que, em juízo, apenas o exame de sangue constitui prova definitiva. Outros tipos de provas têm sido desconstituídos – na prática, pela lei atual, o exame clínico e o bafômetro não têm valor nem geram efeitos legais. Além disso, a lei brasileira garante a qualquer cidadão o direito de não oferecer prova contra si, o que, no caso do trânsito, tem impedido a identificação do motorista alcoolizado.

Ora, por essa razão, é evidente a necessidade de aperfeiçoar o Código de Trânsito. O direito de dirigir um veículo não é incondicional. Para desfrutá-lo, precisamos preencher requisitos e respeitar regras. O que interessa é, neste caso, garantir o direito coletivo, da sociedade. E, para isso, a produção de provas é fundamental.

A nova lei, que aguarda sanção do presidente Lula, institui pelo menos outras cinco possibilidades reais de comprovação da embriaguez, como o exame de sangue, o teste do bafômetro, exame clínico e perícia. Na hipótese de o motorista se recusar a colaborar com o agente de trânsito, também poderão ser utilizados outros tipos de provas, já admitidos em Direito, entre eles, o testemunho. Não acrescentamos poder ao policial, que já goza de fé pública e responde, como qualquer cidadão, por suas ações. Apenas garantimos valor legal às novas provas.

Há oito anos, o país criou uma das legislações de trânsito mais modernas do mundo, mas o número de mortes não se alterou como esperávamos. A nova lei deverá resolver um dos obstáculos à aplicação mais eficiente do Código de Trânsito no que se refere a embriaguez. Mais do que punir criminalmente com mais rigor motoristas alcoolizados, o projeto permitirá a ação preventiva, retirando de circulação, suspendendo o direito de dirigir e recolhendo o documento de habilitação daqueles que dirigem sob a influência do álcool ou de qualquer substância entorpecente. Este é mais um passo importante que damos no sentido da humanização do trânsito brasileiro.

* Deputado Federal (PSB/RS). Coordena a Frente Parlamentar em Defesa do Trânsito Seguro no Congresso Nacional.