Pela regulaçaõ do setor aéreo brasileiro

Aug 10 2003
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[10/08/2003]

Fusão entre empresas é sempre um processo de imensa responsabilidade. Quando se trata de um setor estratégico para um país ou um serviço de concessão pública, como o transporte aéreo, os cuidados devem ser ainda mais rigorosos.

O debate sobre a crise no setor aéreo, em especial, a fusão Varig-TAM, não é novo na Câmara dos Deputados. Desde o ano passado, coordeno um Grupo de Trabalho na Comissão de Viação e Transporte, criado para analisar o os problemas do segmento. Em várias audiências, ouvimos empresários, trabalhadores e órgãos públicos responsáveis pela área.

Mas o agravamento da situação da Varig e os capítulos recentes do processo de fusão informal das empresas provocaram a Câmara dos Deputados a se reunir no próximo dia 2 em Comissão Geral. Neste dia, o plenário se transformará excepcionalmente em uma grande comissão. O assunto também estará na pauta da Comissão de Assuntos Sociais do Senado, no dia 27 deste mês.

Em tese, não sou contrário à consolidação de empresas no setor de transporte aéreo regular. Entretanto, discordo do modelo de fusão elaborado pelo Banco Fator. Por isso, tenho defendido a análise do Plano de Reestruturação Ampla, proposta alternativa das associações de trabalhadores da Varig para a recuperação da empresa.

A proposta do banco conduz ao monopólio na medida em que coloca nas mãos de uma só empresa 67% das linhas domésticas e 99% das rotas internacionais. A dependência de uma corporação produzirá conseqüências graves. Primeiro para o usuário que ficará sujeito a reajuste de tarifas, redução do número de vôos ofertados e de localidades servidas e queda na qualidade do serviço.

Segundo para os 13.250 trabalhadores da Varig. Pela proposta, eles não estão incluídos no rol de credores da nova companhia, ao lado de instituições públicas e privadas. Muito embora, entre créditos trabalhistas e o fundo de pensão Aerus, os funcionários tenham a receber cerca de R$ 2,5 bilhões. Outro problema é a previsão de 6 mil demissões.

Questiono também o porquê do desequilíbrio na participação acionária de cada empresa na nova sociedade. Em vez de utilizar o critério da margem de contribuição de cada companhia, o Banco Fator considera o patrimônio líquido estático.

Reconheço a gravidade da situação vivida pela Varig. Infelizmente, é preciso dizer que o pesadelo por que passa a companhia, nos seus 76 anos, é resultado, em boa parte, de gestões desastrosas à frente da Fundação Ruben Berta, controladora da empresa. É claro que, por muito tempo, os interesses da corporação estiveram em segundo plano. Em números, o saldo é de US$ 800 milhões em débitos atrasados e um prejuízo de R$ 2 bilhões. Em 2001, a gigante da aviação brasileira faturou R$ 7,5 bilhões. Com certeza, a atitude dos dirigentes da Fundação no último ano comprometeu a busca de soluções mais interessantes.

Mas se a saída para a crise da Varig exige o combate aos sérios problemas internos há, também, a obrigação de assegurar o padrão técnico-operacional que a tornou referência internacional. Quem conhece esse mercado sabe que o padrão de qualidade da Varig não resistirá sob o novo modelo proposto até então.

Existem, ao mesmo tempo, causas externas que levaram a Varig a esta situação, como a desregulamentação total do setor no governo Collor de Mello e as violentas desvalorizações cambiais, como em 1999, sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso.

Porém, é evidente que a crise não se limita a uma empresa, mas atinge todo o setor de transporte aéreo brasileiro e mesmo internacional. A começar pela aposta de governos passados na idéia de que as leis de mercado garantiriam um modelo equilibrado. O que se revelou um equívoco. A maioria das empresas nacionais deste segmento tem adotado modelos inadequados de governança e má gestão. O mais grave, porém, é a ausência histórica de uma política nacional para a aviação. Os níveis atuais de descontrole do setor são inconcebíveis.

Para mudar essa realidade é preciso estabelecer um marco regulatório capaz de garantir concorrência saudável entre as empresas e serviços de qualidade e segurança, a preço justo, para os usuários. A organização do setor também depende de condições mínimas definidas pelo Estado. Cito, entre elas, a revisão de tributos e taxas, a proteção à variação cambial e linhas de crédito mais acessíveis para investimentos de longo prazo.

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, através dos Ministérios da Defesa e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, estuda uma proposta de marco regulatório. Ao mesmo tempo, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aguarda a conclusão das negociações entre a Varig e a TAM para analisar a conveniência de sua participação no negócio e no adequado modelo para o caso.

Cabe reforçar que, no caso da Varig, qualquer solução deve assegurar liberdade de concorrência, manutenção de empregos, respeito aos direitos dos trabalhadores e qualidade nos serviços. Uma coisa é certa: não vamos comer prato feito pelo Banco Fator.

Beto Albuquerque, 40, deputado federal (PSB-RS) e ex-secretário dos Transportes no Rio Grande do Sul (governo Olívio Dutra, 1999-2002)