A substituição do bafômetro

Jan 24 2006
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O Estado de S.PauloO Estado de S.Paulo, 24/01/2006
A substituição do bafômetro

O s motoristas que se recusarem a se submeter ao exame de sangue ou teste
de bafômetro para medir o consumo de álcool poderão, de agora em diante,
ter seu estado de embriaguez, excitação ou torpor, resultante do consumo
de álcool ou entorpecentes, atestado por provas testemunhais oferecidas
pelo agente de trânsito. A Câmara dos Deputados aprovou, na quarta-feira,
projeto de lei de autoria do deputado Beto Albuquerque (PSB-RS) que altera
o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) com o objetivo de facilitar a
comprovação da infração cometida por motoristas que dirigem sob efeito de
álcool e drogas, ainda que eles se recusem a fazer testes clínicos e de
embriaguez. O projeto, que segue agora à sanção presidencial, também
estabelece que, nos casos de homicídio culposo cometidos no trânsito, a
pena para o motorista será aumentada de um terço à metade se ele estiver
sob influência de bebidas alcoólicas ou substâncias tóxicas.

No Brasil, estatísticas mostram que 30 mil pessoas morrem anualmente em
acidentes de trânsito. Das vítimas envolvidas nos desastres, 65% estavam
alcoolizadas ou foram vítimas de motoristas bêbados. Em fevereiro de 2004,
a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) iniciou um estudo para
avaliar a parcela dos motoristas que dirigem sob efeito de álcool ou
drogas em três cidades brasileiras – Diadema, no ABC, Santos, no litoral
paulista, e Vitória, no Espírito Santo. O levantamento será encerrado após
o carnaval, mas dados preliminares mostram situação preocupante. Mais de
mil entrevistados passaram voluntariamente pelo teste de bafômetro em
bloqueios montados às sextas-feiras e sábados à noite e nas tardes de
domingo. Em Diadema, 21,4% dos motoristas pesquisados apresentavam índice
superior a 0,06 mililitro de álcool no sangue – máximo permitido pelo CTB.
Em Santos, o índice foi de 18% e em Vitória, 16%.

É incontestável a influência da embriaguez nos índices de violência no
trânsito e urgente a necessidade de impedir que irresponsáveis continuem
matando nas vias, impunemente. Ações preventivas do governo para
conscientizar a população são tímidas e as repressivas esbarram na própria
legislação.

O Código de Trânsito, em seu artigo 165, considera infração administrativa
o ato de "dirigir sob a influência de álcool, em nível superior a seis
decigramas por litro de sangue, ou de qualquer substância entorpecente ou
que determine dependência física ou psíquica". O artigo 306 pune
severamente o condutor que, comprovadamente, for encontrado dirigindo
nesse estado.

O problema está, exatamente, na comprovação desse estado. Pelo direito
brasileiro, ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Esse
princípio segue a Convenção Americana dos Direitos e Deveres do Homem
(1948) e a Convenção Americana de Direitos Humanos (1969). Assim, o
motorista tem pleno direito de se recusar a submeter-se aos testes, sem
que seu ato configure desobediência.

A ordem social, no entanto, pode ser perfeitamente mantida sem que se
pretenda fazer do testemunho de agentes de trânsito a prova final do
estado etílico dos motoristas. Pela competência legal de que dispõem,
policiais de trânsito podem adotar procedimentos que levam, por meio de
perícias e exames, à comprovação de que o motorista está ou não embriagado
ou sob efeito de drogas. Podem, diante do crime de trânsito, encaminhar
pedido à autoridade judiciária, que requisitará o exame clínico.

A dificuldade de deslocamento nas cidades e estradas até a autoridade
judicial é tida como maior obstáculo para o cumprimento desse
procedimento. Mas esse argumento não é justificativa nem para a inércia
dos agentes públicos nem para que se delegue a eles uma atribuição – a de
testemunhar embriaguez – para a qual não estão tecnicamente preparados.
Não é aceitável que o testemunho de um agente de trânsito seja tomado como
comprovação cabal de um estado de saúde só identificável com precisão por
meio de instrumentos e processos científicos. O simples bom senso
recomenda que o presidente da República vete essa parte do projeto.