Artigo – O fim da obrigatoriedade do bafômetro

Jan 25 2006
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Artigo – O fim da obrigatoriedade do bafômetro

Fabiano da Silva Faria

Ao analisar a obrigatoriedade do teste de bafômetro e as conseqüências da falta desse teste para a solução judicial do sinistro de trânsito, vejo, com muita alegria e ceticismo, o Projeto de Lei nº 735/2003, de autoria do deputado Beto Albuquerque (PSB-RS). Essa proposta visa à alteração dos artigos 165, 277 e 302, todos da Lei 9.503/97, comumente denominada Código de Trânsito Brasileiro, os quais dispõem sobre condutor em estado de embriaguez e exames de alcoolemia, na condução de veículo automotor em vias públicas. A alteração consiste em permitir que haja caracterização de infração ou crime de trânsito por condução de veículo sob influência do álcool ou substância entorpecente, mediante prova testemunhal, ainda que o condutor se recuse a fazer os testes de alcoolemia.

Alegria, quando vislumbro a predominância do interesse social sobre uma norma de proteção individual. Explico: o direito alegado, com bases constitucionais, de que a pessoa não é obrigada a produzir provas contra si mesma (normalmente invocado por quem tem um mínimo de cultura ou orientação), vem há tempos sendo usado como motivação para não contribuir na confecção do exame de embriaguez alcoólica, através do aparelho popularmente conhecido como bafômetro, ou mesmo de se esquivar da doação de uma amostra sanguínea para um exame clínico. E tal escusa tem bases concretas e democráticas, em que o nosso direito constitucional, considerado por muitos um dos mais avançados, dá o ônus de provar a irregularidade ao Estado, através das diversas instituições próprias, tais como os órgãos policiais, periciais e processuais, ressalvados os casos expressos em lei.

A partir desse dispositivo, os (maus) cidadãos, a despeito das campanhas educativas e instruções recebidas por meios diversos (mídia, curso de auto-escola, família) continuam a provocar acidentes de trânsito, com vítimas fatais e casos graves, não raro com seqüelas pelo restante da vida. Quando do registro desses sinistros, os infratores, sem maiores delongas, sobrevivem impunes ao acontecido, salvo se houver outro motivo determinante para a sua culpa. É bom lembrar que, apesar da fé pública do agente de autoridade, funcionário público que representa a vontade estatal (e, por analogia, a sociedade), os relatórios e materiais comprobatórios recolhidos no local do fato (vasilhames de bebida e testemunhas imparciais, por exemplo) atualmente são desconsiderados na apuração judicial, restando aí uma impunidade tamanha que, por conseqüência, alimenta e mantém essa mortandade que decorre do ir e vir pelas vias públicas no Brasil. Em suma, acredito que bons tempos estão por vir, com a alteração da lei.

Mas me acompanham certo ceticismo e apreensão, quando lembro que os policiais e agentes de trânsito que trabalham na fiscalização estão despreparados para tal ofício. Antes que eu seja condenado por meus pares, é preciso ressaltar que, para a efetivação de qualquer mudança de tamanha envergadura, com reflexos diversos para o infrator e para a(s) vítima(s) do ocorrido, urge um esclarecimento considerável de todos (policiais e cidadãos) os envolvidos no processo. Para os servidores públicos que labutam na fiscalização, esse treinamento tem um pouco de cada ciência: psicologia, aspectos sociológicos, procedimentos legais, entre outras matérias. Também, tornar-se-á necessária a confecção de uma instrução nacional, a ser desenvolvida pelo Denatran, para que os procedimentos a serem adotados no decorrer da verificação de embriaguez sejam uniformes e não possam ser invalidados judicialmente.

Se não colocada em prática essa educação geral, cria-se um ambiente propício para as piores conseqüências, do ponto de vista do agente responsável e da sociedade como um todo: num primeiro momento, haverá contestações diversas dos acusados, alegando abusos de autoridade ou algum outro tipo de violência. Receosos dessas ações, os agentes fiscalizadores vão se abster de assumir a responsabilidade de uma definição tão polêmica, pela qual podem ser responsabilizados administrativa e judicialmente. Não custa lembrar que, quando o servidor público tenta provar a lisura de seus atos profissionais, faz isso às suas próprias expensas, pois a legislação pátria não prevê assistência jurídica para o acusado. Então, não havendo fiscalização, será levada a descrédito a inovação legal, e o infrator continuará arriscando sua vida (e a de outros, principalmente), zombando da impunidade. A partir do vácuo gerado, ainda temos aqueles maus servidores que utilizarão da fé pública de sua palavra para, infelizmente, extorquir e violentar os cidadãos de bem.

Fabiano da Silva Faria é policial rodoviário federal do Núcleo de Operações Especiais da 1ª SRPRF em Goiás e instrutor policial,pós-graduando em Criminologia na Universidade Federal de Goiás