CPI é palanque, diz Lula

May 28 2005
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Correio Braziliense

Correio Braziliense, 28/05/2005
CPI é palanque, diz Lula
 
Tóquio — O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu ontem que a CPI dos Correios é conseqüência da antecipação do processo eleitoral no país. Segundo o petista, isso ocorre há muito tempo no país e ele não tomará “medidas eleitorais” que prejudiquem a economia.

Essa avaliação foi produzida no início da tarde num encontro com o presidente de Portugal, Jorge Sampaio, também em visita a Tóquio. Lula explicava ao colega português a situação atual no Brasil e fez um relato sobre a instalação da CPI. O presidente estava com os governadores do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto (PMDB), e do Ceará, Lúcio Alcântara (PSDB-CE). Rigotto relatou que foi “a primeira vez” que o presidente falou da CPI dos Correios na sua frente nesta viagem.

De fato, Lula tem evitado comentar o assunto com a maioria dos integrantes de sua comitiva (que inclui também quatro deputados, um senador e sete ministros). Prefere tratar do tema por telefone com seus operadores políticos, que ficaram em Brasília.

Na conversa com Sampaio, ele citou a necessidade de “deixar de lado as mediocridades políticas”, pois isso poderia “comprometer os bons indicadores da economia”. E emendou: “Agora, por exemplo, vai ser instalada uma CPI”. Lula explicou o caso de corrupção nos Correios. Disse ter ordenado à Polícia Federal investigar. Mas que, mesmo assim, o Congresso preferiu instalar a CPI.

Sem fazer uma crítica direta à oposição nem aos congressistas, Lula disse que sempre ocorre no Brasil uma antecipação do debate eleitoral para o ano anterior ao do pleito. Acredita ser uma tradição local. “Ele não chegou a dizer que a CPI é eleitoreira. O que eu interpretei é que o presidente deu a entender que a CPI está sendo instalada por causa do processo eleitoral”, relata Rigotto — para quem a CPI deveria acontecer, mas restringindo-se a trabalhos técnicos de investigação, sem uso político.

No meio da tarde, visitou uma estação de metrô em Tóquio. Seguido de perto por repórteres, negou-se várias vezes a falar sobre a investigação. No final da tarde, descansava em uma sala do hotel Okura, esperando sua hora de discursar num encontro com empresários. Pelo mesmo ambiente passaram vários deputados, governadores e ministros. O vice-líder do governo na Câmara Beto Albuquerque (PSB-RS) tentou entrar no tema CPI dos Correios. Foi cortado pelo presidente.

Logo em seguida, Lula parece ter mudado de idéia. Fez um discurso cheio de referências indiretas à política brasileira para cerca de 300 empresários japoneses e 200 brasileiros. No que parecia ser um recado a algumas pessoas do governo que cobraram uma atuação sua mais arrojada para abafar a CPI, Lula disse: “Não tomaremos nenhuma atitude, nenhuma atitude que possa significar tornar a economia brasileira vulnerável nem tampouco nenhuma medida populista que muitas vezes serve para eleger um candidato, mas afunda o Brasil em anos e anos de recessão”. A platéia o aplaudiu.

Palocci

O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, argumentou também que a preocupação do governo é evitar que a CPI se transforme em palanque eleitoral para a oposição. “Tenho certeza que, na atuação parlamentar, há cuidado da base para evitar que a CPI se transforme em um palanque eleitoral. O governo está zelando por isso, porque prejudicaria o país”, disse.

“Eventuais conflitos políticos são reais, temos de admiti-los e dialogar com essa perspectiva. Não vão tirar o Brasil de uma rota muito forte, muito certeira e muito segura de crescimento e de estabilidade econômica”, reiterou.

Na avaliação do ministro, apesar da tensão política da semana, observou-se “uma grande normalidade” no campo econômico, com evolução positiva da taxa de risco-país e nenhuma alteração na taxa de câmbio. Enfatizou ainda que esse comportamento não significa que a economia é alheia aos conflitos políticos, mas que os fundamentos macroeconômicos “estão bastante sólidos”. O governo, acrescentou ele, encarou com seriedade a denúncia de corrupção, abriu sindicância para apurar o que ocorreu no terceiro escalão da Empresa de Correios (ECT) e demitiu envolvidos.

Cuidadoso ao dizer aos jornalistas que falaria sobre o comportamento do PT na aprovação da CPI como ministro do governo, e não como petista, Palocci afirmou que não havia recebido “nenhuma orientação para vincular o Tesouro Nacional ao embate do governo no Congresso”.

 
Entretanto, o Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) registrou a liberação de
R$ 900 mil em emendas parlamentares, na quarta-feira, dia em que foi confirmada a criação da CPI.

A oposição respondeu às declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva acusando a oposição de antecipar o debate eleitoral com a criação da CPI. O líder do PSDB na Câmara, Alberto Goldman (SP), disse que Lula não desceu do palanque desde o primeiro dia de seu mandato, não tem “autoridade moral” para dar lição à oposição e é o responsável pela criação da CPI dos Correios, já “que é capaz de dar cheque em branco” ao presidente do PTB, Roberto Jefferson.

"Há cuidado da base para evitar que a CPI se transforme em um palanque eleitoral. O governo está zelando por isso, porque prejudicaria o país".

Antonio Palocci, ministro da Fazenda

Risco de paralisia

O Palácio do Planalto está preocupado com a possibilidade de o Congresso, a partir de agora paralisar seus trabalhos e se limitar à CPI dos Correios. Por isso, o ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, vai procurar representantes dos partidos de oposição para tentar definir uma agenda comum de votações na Câmara e no Senado enquanto a CPI segue seu rumo.

“No momento, cabe separar a questão da CPI, tratando-a como uma parte da atividade do Congresso”, diz Rebelo. Entre os assuntos de interesse do governo à espera de votação pelo Congresso, estão as reformas tributária, universitária e política a regulamentação das agências reguladoras e a aprovação da Lei do Saneamento Básico, enviada recentemente à Câmara e ainda em regime de consulta na Casa Civil.

“Independentemente do trabalho da CPI, queremos que o Congresso prossiga com uma agenda comum, negociada com os presidentes das duas casas, com o governo e com a oposição”, afirma o ministro.

A preocupação de Aldo com o funcionamento do Congresso baseia-se no fato de que em 1992 a CPI de Paulo Cesar Farias, o PC, destinada a investigar corrupção no governo de Fernando Collor, paralisou Executivo e Legislativo. E, em 1993 1994, a CPI do Orçamento chamou tanto a atenção que a revisão constitucional, prevista para o mesmo período, fracassou completamente.

Para o líder do PSDB na Câmara, Alberto Goldman (SP), a iniciativa de Aldo revela “o óbvio”. Ele afirma que em nenhum momento as oposições quiseram outra coisa senão o funcionamento normal do Congresso. “É tudo o que queremos e tudo o que o governo procurou impedir o ano todo”.

Goldman disse que assim que for procurado, vai dizer qual é a agenda do PSDB e, se for possível, negociá-la com o representante do governo. Mas não será fácil acertar uma agenda comum de votações no Congresso. “Temos na nossa agenda o supersimples, aprovado na primeira etapa da reforma tributária, mas nunca regulamentado, a votação das regras para a Previdência complementar e a reforma tributária, não do jeito que o governo quer, porque não reduz a carga tributária, mas com revisão do papel da federação”, diz.

Renan rechaça pressão

O presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), disse ontem que não aceitará as pressões do governo federal no sentido de controlar a presidência e a relatoria da CPI dos Correios e vai cumprir o regimento da Casa. “O que guia o Congresso Nacional é a ocupação dos espaços políticos, inclusive das CPIs, com a proporcionalidade partidária”, explicou.

Calheiros entende que uma CPI é uma oportunidade para dar respostas às “perguntas que o país faz com relação às denúncias de corrupção, mas o governo precisa demonstrar que não é a única”. Ele preferiu não comentar as manobras do Palácio do Planalto para a retirada de assinaturas que pedia a criação da CPI dos Correios, assinalando que “a retirada e inclusão de assinaturas é uma coisa democrática, regimental, sempre aconteceu, o que gostaria de repetir é o que a sociedade quer do Congresso: colaboração, sobretudo nas respostas sobre as denúncias de corrupção”.

O senador disse que manterá total independência e a isenção que o cargo de presidente do Congresso impõe para conduzir o conflito de interesses que gira em torno da CPI. Ele avisou que dará um prazo “óbvio, de bom senso”, para os líderes partidários indicarem os integrantes da comissão, mas se isso não ocorrer (por exemplo, em uma semana) “vou indicá-los”, assinalou, assumindo uma postura oposta à do ex-presidente do Congresso José Sarney (PMDB-AP), que não indicou os integrantes da CPI dos Bingos (que investigaria a atuação do ex-assessor Waldomiro Diniz) diante da recusa dos partidos da base do governo federal. Calheiros participou, em Costa do Sauípe, da 9ª Conferência Nacional dos Legislativos Estaduais.

Regimento

O líder do PFL no Senado, Agripino Maia (RN), avisou que a oposição ao governo no Congresso não aceitará passivamente a tentativa da base aliada de controlar totalmente a CPI. “Se ocorrer o que eles querem, será a CPI de um lado só. Eles estão inventando um novo regimento, ao reivindicar tanto a relatoria como a presidência da CPI”, disse Agripino. Segundo o senador pefelista, o regimento é claro e um dos dois cargos cabe à oposição.

“De acordo com o regimento, cabe à maior bancada da Câmara indicar seu nome para um dos cargos e à maior bancada do Senado fazer o mesmo. Ora, na Câmara a maior bancada é a do PT, mas no Senado ela é a do bloco da oposição. Só falta eles formarem um bloco correndo na próxima semana para garantir ficar com os dois cargos”, avaliou Agripino Maia.