Depois dos cargos, Lula quer votos

Mar 12 2008
(0) Comments

Correio Braziliense, 12/3/2008

Gustavo Krieger e Mariana Mainenti – Da equipe do Correio 

Na tensa reunião com representantes da base aliada, o presidente demonstrou sua impaciência com os articuladores e também avisou: "Quem não quiser votar é porque não quer ficar no governo"

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva exigiu ontem que os partidos governistas retribuam com votos no Congresso aos cargos que receberam na Esplanada dos Ministérios. Ele cobrou a fatura das nomeações durante a reunião do Conselho Político, e foi duro. Se disse "cansado dessa situação de ter maioria e não exercer a maioria no voto" e deu um ultimato: "A distribuição de cargos está encerrada. Agora é voto. Quem não quiser votar é porque não quer ficar no governo". Lula revelou irritação com a demora para votação de dois projetos de interesse do governo. O Orçamento da União para 2008, que se arrasta há meses, e a medida provisória que cria a TV pública, que está próxima do prazo para caducar.

Ano passado, quando chamou os partidos para formar a coalizão de apoio ao governo, Lula já tinha colocado a fidelidade no Congresso como condição. Funcionou na maioria dos casos na Câmara, mas nunca chegou a traduzir-se no Senado. A justificativa dos partidos sempre foi que a demora do governo em negociar os cargos de segundo e terceiro escalões causava tensão e disputas internas nas bancadas. Ao longo das últimas semanas, o presidente decidiu ceder aos apelos dos partidos. O passo mais sintomático foi a entrega dos cargos do setor elétrico ao PMDB. Para fazer isso, Lula enquadrou sua ministra mais poderosa, Dilma Rousseff, da Casa Civil. Mas avisou ao partido que esperava resultados.

"Azia"

Ontem, o presidente deu nome às suas insatisfações, a começar pelo líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), defensor do entendimento com a oposição. Na reunião, o presidente disse que ele "toma tanto cafezinho com a oposição no Senado que já está ficando com azia".

Lula reclamou que "o governo tem número (de parlamentares) no papel, mas na hora de votar não tem número". A peemedebista Roseana Sarney (MA), líder do governo no Congresso, tentou desviar o foco do seu partido e lembrou o caso do PDT. A legenda tem cinco senadores, mas raramente vota unida a favor do Palácio do Planalto. "Vou chamar o Lupi aqui e perguntar se ele quer continuar no governo", respondeu o presidente. Carlos Lupi, presidente do PDT, é o ministro do Trabalho e loteou os principais cargos da pasta entre os políticos da legenda.

Lideranças

Os líderes saíram assustados da reunião. "O presidente estava muito bravo. E com razão", relatou Márcio França (PSB-SP). "Foi uma intimação", resumiu Beto Albuquerque (PSB-RS). O líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), disse que Lula "realmente chamou a base para a governabilidade". "Temos de votar o Orçamento", enfatizou Fontana. O líder do PT , Maurício Rands (PE), afirmou concordar com o presidente. "Não dá para ficar refém de uma minoria", destacou.

O ministro de Relações Institucionais, José Múcio, foi ao Congresso depois da reunião e cobrou fidelidade da base aliada. "Na hora de dificuldade, é preciso ver quem está com você. Essas coisas isoladas e pessoais precisam ser deixadas de lado para que se vote o que o Brasil está precisando: o Orçamento", afirmou.

Depois do puxão de orelhas nos aliados, Lula viajou para Tocantins, onde inaugurou obras. Lá, voltou a atacar, mas dessa vez o alvo foi a oposição. Ele acusou os oposicionistas de votarem contra o governo para tentar prejudicá-lo, como na rejeição da CPMF. "Eles pensam: o Lula vai perder 100 bilhões até 2010. É assim que funciona a cabeça de algumas pessoas no Brasil. Só pensam naquilo (nas eleições)."

Lula aproveitou para defender o Bolsa-Família. "Noventa reais não valem nada para uma pessoa que ganha R$ 20 mil e dá isso de gorjeta quando fica bêbada num bar", disse. "Tem gente que não quer mais um Gol, é carro mixuruca. Mas quantos milhões não têm um carrinho?"

Logo após as inaugurações, sob um sol escaldante, a multidão formou uma fila de mais de 500 metros para receber um prato descartável de alumínio com arroz, feijão, carne e mandioca, além de uma garrafa de 250 ml de refrigerante. A prefeitura da cidade de Dianópolis (TO) informou que a comida foi oferecida pelo governo do estado.