Ensino – Lula renegociará o antigo crédito educativo

Nov 26 2003
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Zero Hora, 26/11/2003

Ensino – Lula renegociará o antigo crédito educativo

Na tentativa de atacar 84% de inadimplência, o presidente deve remeter à Câmara até amanhã medida provisória que parcela débitos e oferece descontos de 20% a 70% para contratos assinados por universitários com o Creduc

LETÍCIA DUARTE

Se pudesse voltar no tempo, a cartorária Elisângela Vincensi Cossettin, 27 anos, teria aberto mão de ser um dos 36.475 gaúchos beneficiados pelo Programa de Crédito Educativo (Creduc) federal. Engrossando o índice de 84% de inadimplência, ela se sente traída pelos juros do financiamento recebido para cursar a faculdade de Direito, em Cruz Alta. Em um ano, seu saldo devedor saltou de R$ 12 mil para R$ 27 mil.

Como a situação de Elisângela deixou de ser exceção, o governo federal articula a renegociação dos 199.212 contratos do Creduc, que somam R$ 2,1 bilhões. A medida interessa particularmente ao Rio Grande do Sul, pois o Estado é o mais contemplado pelo programa, com 18% do total de financiamentos do país.

Até amanhã, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve enviar à Câmara dos Deputados uma medida provisória com modificações na lei. Os parâmetros ainda estão sendo definidos, mas a expectativa é de fixação de descontos entre 20% e 70% para quem quiser quitar os débitos do Creduc.

Enquanto o texto aguarda parecer jurídico da Casa Civil, Elisângela acumula três prestações atrasadas. Ela se formou em agosto, na Unicruz, e deveria ter começado a pagar prestações de R$ 484 em setembro. Seu financiamento soma 108 parcelas.

– A renegociação é minha única esperança, porque esse valor é um absurdo. Se tivesse todo esse dinheiro, teria pago a faculdade – diz Elisângela, há três meses inadimplente.

O governo sabe que a inadimplência não é simples desleixo dos estudantes. Tanto que, desde 1999, o Creduc foi substituído pelo Financiamento Estudantil (Fies). Uma das diferenças dos novos contratos é a determinação de uma taxa de juro fixa, de 9% ao ano. No Creduc, além do reajuste de 6% há encargos de TR (taxa referencial), o que deixa os contratos expostos à oscilação econômica. Em alguns casos, o índice de juros ultrapassou 18% ao ano.

Somente contratos do Creduc serão renegociados

O coordenador do Fies no Ministério da Educação, Antonio Leonel da Cunha, salienta que apenas os contratos do Creduc serão renegociados pela Caixa Econômica Federal

– Não vai haver uma regra única porque cada contrato é um contrato, mas daremos ênfase maior àqueles que querem liquidar a dívida. O Fies não entra nessa renegociação – antecipa.

O relator da medida provisória na Câmara dos Deputados será o deputado gaúcho Beto Albuquerque (PSB). Desde maio, Albuquerque coordena o grupo interministerial que busca alternativas para o impasse, encabeçando a proposta.

A União dos Estudantes do Rio Grande do Sul também está mobilizada.

– Estamos estudando uma forma de defender juridicamente esses estudantes, porque os juros tornam as mensalidades impagáveis. Não só do Creduc, mas de todos os outros tipos de financiamento – diz o presidente da entidade, Sílvio Luciano Ribeiro.

( leticia.duarte@zerohora.com.br )

Como funciona o Fies

O Financiamento Estudantil oferece até 70% do valor da mensalidade em instituições credenciadas:

Inscrição: a cada semestre, os estudantes podem concorrer a uma vaga no Fies mediante preenchimento de ficha de inscrição no site www.mec.gov.br. O candidato deve imprimir e entregar o protocolo em sua instituição de ensino para que a inscrição seja confirmada.

Critérios de seleção: são avaliadas variáveis como renda, moradia, se o aluno já tem curso superior, se há doença crônica na família e se há outro membro da família em universidade privada. Após a seleção, o aluno é entrevistado para comprovar as informações com documentação. A parcela não-financiada não pode superar 60% da renda per capta familiar.

Fiador: é preciso apresentar fiador com renda superior a duas vezes a mensalidade cobrada pela instituição

Juro: 9% ao ano, permanecendo fixo por todo o período de vigência do financiamento

Pagamento: durante o período de estudo, o estudante amortiza, a cada três meses, parcelas de juros limitadas no valor de R$ 50. Após a conclusão do curso, nos primeiros 12 meses, a amortização é equivalente à parcela não-financiada (o que o aluno pagou durante o curso). Depois desse período, o saldo devedor será parcelado em até uma vez e meia o período de utilização do financiamento (período de estudo).

Informações: nos sites www.mec.gov.br e www.caixa.gov.br

Raquel gasta metade da renda de dois empregos

A enfermeira Raquel Agostini, 25 anos (foto), de Novo Hamburgo, precisa renegociar a dívida do Programa de Crédito Educativo. Sem dinheiro para pagar à vista, ela torce para que seja considerada a proporção entre o salário do devedor e a prestação.

Desde setembro, Raquel recebe cobrança mensal de R$ 554. Para não cair na inadimplência, ela se esforça para se manter entre os 16% dos gaúchos que quitam a conta, mas não sabe até quando. Seu saldo devedor foi catapultado de R$ 21 mil para R$ 57 mil.

– A cobrança é maior do que era a mensalidade da faculdade – diz Raquel, afirmando que, quando cursava Enfermagem na Unisinos, a mensalidade era de R$ 300.

Com dois empregos e salário de R$ 1,1 mil, ela teme os oito anos comprometidos com uma dívida que consome metade dos ganhos.

– Só vou poder pensar em ter uma casa com quase 40 anos. Abandonei cursos que fazia.

Nova bolsa propõe trabalho em vez de dinheiro

Ciente de que estudantes pobres não conseguem o Financiamento Estudantil, pela ausência de comprovação de rendimento para honrar a dívida, o governo planeja mudanças.

Em análise na Casa Civil, o Programa de Apoio ao Estudante (Pae) destinará bolsas estudantis para universitários pobres. A meta preliminar é conceder 30 mil bolsas a universitários em 2004, com preferência a cursos de licenciatura. O projeto deve ser enviado ao Congresso na primeira quinzena de dezembro.

– O estudante não vai ter de pagar nada, mas vai nos ajudar socialmente. Vamos investir em professores, que vão contribuir em projetos de alfabetização – explica o coordenador do Fies, Antonio Leonel da Cunha.

A idéia é promover uma troca: os estudantes contemplados com a bolsa receberão treinamento específico durante os quatro primeiros semestres da faculdade para contribuir em programas de alfabetização. A partir dos semestres seguintes, colocariam em prática o aprendizado, em programas do governo, em experiência validada como estágio. As inscrições para as bolsas seriam abertas anualmente, e os recursos devem ser financiados pelo MEC. O orçamento é indefinido.

Paralelamente ao Pae, o governo enviará ao Congresso projeto de lei para modificar regras do Fies. Uma das novidades previstas é a possibilidade de o estudante aderir ao programa antes de se matricular na instituição.

– Hoje, para entrar no Fies o aluno tem de estar matriculado e ter pago mensalidades, o que prejudica estudantes pobres. Vamos facilitar a inscrição para quem passou no vestibular – diz Cunha.

O deputado Gastão Vieira (PMDB-MA), presidente da Comissão de Educação e Cultura da Câmara, aprova as medidas, mas defende a necessidade de expansão das vagas do Fies.

– O crédito é insuficiente diante da expansão das vagas. Temos quase 500 mil vagas sobrando nas universidades privadas porque o estudante não encontra formas de financiamento – defende.

Segundo o Ministério da Educação, o número de vagas é definido conforme os recursos disponíveis no Fundo do Financiamento Estudantil.

– É importante que os alunos paguem suas dívidas, porque é com esse mesmo dinheiro que financiamos outros alunos – salienta Cunha.