LEI SECA – O Rigor e a polêmica

Jul 05 2008
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Diário da Manhã – Passo Fundo, 05/07/2008

A nova legislação, que alterou o código de trânsito, coloca o Brasil entre os países mais rigorosos em relação ao consumo de álcool. A lei quer tirar as ruas os responsáveis por mais de 100 mortes por dia.

Se beber, não dirija. Essa conhecida máxima nunca foi levada muito a sério pelos condutores brasileiros. Prova disso, são as estatísticas de acidentes causados por motoristas embriagados em todo o país. Agora, uma nova lei, sancionada há duas semanas, impõe uma tolerância menor para quem pretende dirigir. A lei 11.705, mais conhecida como Lei Seca, causou (e continua causando) muita polêmica por causa da sua rigidez. Por ela, qualquer motorista que consumir bebidas alcoólicas está sujeito a infrações de trânsito, mesmo que não tenha causado nenhum dano ou acidente. Além disso, se for constatado que o motorista tem mais de 6 decigramas de álcool no sangue, o equivalente a dois chopps, ele é enquadrado como um criminoso. A nova lei pune, por tanto criminosos, em potencial. A fiscalização, que já foi intensificada, tira das ruas aqueles que poderiam ser causadores dos acidentes que matam 35 mil pessoas por ano, mais de 100 por dia.

A novidade na legislação de trânsito colocou o Brasil entre os países mais rigorosos em relação ao consumo de álcool por parte dos motoristas. Uma pesquisa, feita pela instituição americana International Center for Alcohol Policies, uma ONG que luta para diminuir os índices mundiais de violência no trânsito, mostrou que o país está entre as 15 nações com leis mais rígidas. Antes de sancionar a lei, o Brasil era considerado o 20º entre os mais tolerantes. Atualmente, entre os países da América do Sul, o Brasil tem a segunda legislação mais severa, perdendo apenas para a Colômbia, único país latinoamericano cuja legislação prevê tolerância zero de álcool. Só para efeito de comparação, nos Estados Unidos, o limite é de oito decigramas de álcool por litro de sangue, ou seja, quatro latas de cerveja. Já em vários países da Europa, é menor, de apenas cinco decigramas.

As punições

Antes da sanção da lei, só poderia ser preso quem fosse flagrado embriagado e se envolvesse em acidente ou dirigisse perigosamente. Agora, quem for flagrado em qualquer situação, como em blitze das polícias rodoviária ou militar, também pode ser preso. Basta que o motorista deve apresente 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou 0,3 miligramas por litro de ar expelido pelo bafômetro, para ser responsabilizado criminalmente. Neste caso, a pena pode ir de seis meses a três anos de prisão, com direito à fiança. Já se o motorista tiver 2 decigramas por litro de sangue e 0,1 miligrama por litro de ar expelido, as punições são apenas administrativas: multa de R$ 955, 7 pontos na carteira, suspensão da CNH por 12 meses e apreensão do carro, até que um motorista sóbrio e habilitado se responsabilize por ele. Porém, de início, haverá tolerância até 0,2 grama de álcool por litro de sangue, o equivalente a 0,1 mg por litro de ar.

As policias civis e militares já estão montando esquemas de patrulhamento e fiscalização para aplicar a nova lei. Na prática, qualquer viatura policial pode abordar motoristas para verificar as condições de quem está dirigindo. “Esse tipo de abordagem faz parte das nossas atribuições. Antes da lei, já era nossa competência fazer o patrulhamento ou abordagens nas imediações de bares e restaurantes”, explicou coronel Antônio Gilceu Souza, comandante do 3º RPMon.

A lei 11.705 vai colaborar para diminuir o número de acidentes no trânsito?

Beto Albuquerque, deputado federal (PSB) coordenador da Frente Parlamentar em Defesa do Trânsito Seguro.

O deputado federal Beto Albuquerque foi um dos parlamentares que participou na conversão da Medida Provisória 415 na lei hoje conhecida como Tolerância Zero. Para Beto, a polêmica envolvendo a nova lei é grande porque se trata de um problema grande. “Temos 35 mil mortes todos os anos no trânsito. Cerca de 100 mortes por dia. Temos 25 bilhões gastos anualmente apenas para tratar acidentados do trânsito. Por tanto é uma guerra que estamos perdendo há muito tempo. Tínhamos que adotar uma legislação que ajudasse a tomada de consciência”, explicou. Durante as discussões sobre a nova lei, Beto trouxe alguns dados que assustaram os demais deputados que fazem parte da Frente Parlamentar em Defesa do Trânsito Seguro. Um deles, é que em 65% dos acidentes com morte o álcool está envolvido. Para defender a mudança, Beto cita exemplos dos Estados Unidos e da Europa onde as penas para quem se recusa a fazer o exame do bafômetro são severa. “Ninguém bebe só uma taça de vinho ou um copo de chopp quando senta num bar. Essa é lei é pra nós todos. E se o Brasil conseguir seguir os passos da Europa e dos EUA e conseguir mudar hábitos, eu tenho certeza que vamos diminuir drasticamente o número de mortes. É uma necessidade enfrentar esse assunto e nos adaptar a essa nova lei”, destacou.

Paulo Videla Ruschell, delegado da Delegacia de Trânsito

O delegado regional e delegado adjunto da Delegacia de Trânsito, Paulo Videla Ruschel, tem visto a presença de condutores embriagados na maioria dos acidentes com morte e com lesões. “A lei vem em boa hora. Se devidamente cumprida, ela vem a trazer uma mudança total nos hábitos dos brasileiros”, destacou. Para ele, a lei pode ser completada com outras leis, que vem sendo discutidas, como a proibição de venda de bebidas alcoólicas perto de escolas e rodovias. “É necessário conter esses abusos em nome da preservação da vida”, argumenta.

Antônio Dengo, diretor da Guarda de Trânsito Municipal

Para Antônio Dengo, a implantação da lei 11.705 foi um esforço grande das autoridades. “As pessoas ainda não conseguem fazer uma avaliação por que a lei ainda não está bem esclarecida. Mas é necessário ter consciência que, a partir de uma taça de vinho, já se configuram as medidas administrativas: cassação da carteira por um ano e multa”, disse. Para ele, o principal aspecto que mudou é que agora dirigir embriagado, mesmo sem causar danos a terceiros, é considerado um crime. “As pessoas vão ter que mudar seus hábitos. A lei já entrou em vigor, já está sendo aplicada e só poderá ser contestada nos tribunais”, comentou.

Coronel Antônio Gilceu Souza, comandante do 3º RPMon

Conforme o comandante do 3° RPMon, coronel Antônio Gilceu Souza, em Passo Fundo é rotineiro encontrar pessoas alcoolizadas no trânsito. No primeiro final de semana que a lei estava em rigor, cinco pessoas foram submetidos a bafômetros e estavam com o nível de álcool acima de 2 decigramas. “Numa das ocorrências, o motorista do veículo em vez de colaborar começou a desacatar dizendo que nenhum policial iria lhe revistar porque não era vagabundo. Os policiais tiveram que fazer o uso da força para levar o condutor”, destacou. Em um dos casos mais graves o motorista foi encontrado dirigindo na contração na rua Moron, bem no centro de Passo Fundo. “Uma das atividades mais difíceis e complexas é dirigir, porque temos que atender todas as dimensões do veículo e o universo externo”, comentou.

Por Gabriela Willig
gabrielawillig@diariodamanha.net