Marcados para cair
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Correio Braziliense
Correio Braziliense, 20/01/2004
Marcados para cair
Mesmo com a proximidade da reforma ministerial, muitos candidatos a perder o cargo tentam manter a rotina de trabalho em suas pastas. Roberto Amaral, inclusive, prepara viagem à Índia com Lula
A demora no anúncio da reforma ministerial paralisa alguns prédios da Esplanada dos Ministérios. Em seus gabinetes, os ministros que devem perder os cargos em poucos dias esperam a palavra final do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Enquanto isso não acontece, as especulações aumentam e o óleo de ‘‘fritura’’ fica mais quente. O desconforto é grande nos corredores mas, atendendo a um pedido de Lula, os ministros tentam se mostrar leais e tocam a vida como se nada os incomodasse. Para muitos, a situação dos ministros na corda-bamba poderia ser evitada. Segundo o vice-líder do governo, Beto Albuquerque (PSB-RS), o presidente Lula deveria decidir logo. ‘‘Uma reforma que fica meses em especulação põe todo mundo na frigideira’’, avalia.
Em um esforço para mostrar uma certa normalidade, o ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral (PSB), — que já mandou carta de demissão ao Planalto — procura manter sua agenda ministerial. Os compromissos estão marcados até meados de fevereiro. Ontem, representou a pasta na posse da nova diretoria da Agência Nacional do Petróleo (ANP) no Rio. Amaral está inclusive se preparando para acompanhar Lula em viagem à Índia no próximo sábado.
Enquanto o governo não se define, Amaral continua chegando ao ministério todos os dias entre 8h30 e 9h. Só sai de lá depois dos telejornais noturnos. Para aliviar os dias de espera pela demissão, o ministro recebe manifestações de apoio da comunidade científica e de servidores do ministério.
O ministro das Comunicações, Miro Teixeira, é outro que aguarda a resposta do presidente Lula ao seu pedido de demissão. Miro divulgou uma nota na qual se desfiliou do PDT e pôs o cargo à disposição. A atitude gerou ansiedade entre os funcionários do ministério. Apesar de estar às vésperas da reforma, o ministro faz questão de manter a rotina. Na reunião com os ministros da área social, realizada na última quinta-feira no Palácio do Planalto, foi um dos mais eloqüentes. Falou bastante sobre os planos de implantação de rádios comunitárias e internet gratuita de alta velocidade.
Frigideira petista
A agonia da reforma ministerial atinge também um antigo companheiro petista. Depois de conduzir uma reforma polêmica e ser considerado um dos ministros fortes do governo, Ricardo Berzoini está com os dias contados na Previdência. Sabe que está na mira, mas aguarda um sinal do Planalto. No início da semana passada, a agenda do ministro não teve compromissos públicos por dois dias. A missão era a de se reunir com integrantes de sua equipe para arrumar a casa.
Na reunião com a área social da última quinta-feira, ao contrário de Miro, Berzoini foi curto e direto. Durante o encontro que durou mais de seis horas, o ministro fez uma exposição de apenas sete minutos. Usou o tempo para mostrar a lista de dez pontos que considera fundamentais para a Previdência. Sem pretensões de colocar a mão na massa nos próximos anos.
Berzoini é considerado um soldado fiel ao governo. Em dezembro de 2002, ao ser convidado para assumir a pasta, foi questionado se estaria disposto a enfrentar os altos índices de impopularidade que o ministério traria a reboque. Aceitou sem pestanejar. Durante meses de negociação da reforma da Previdência, enfrentou protestos e a ira dos servidores públicos sem se abalar. Escorregou no início de novembro, quando exigiu o recadastramento dos aposentados e pensionistas do INSS com mais de 90 anos. Na tentativa de combater fraudes, condicionou o pagamento dos benefícios ao recadastramento, o que provocou as chocantes imagens de idosos debilitados na porta dos postos do INSS.
Na época da crise, Lula utilizou boa parte de seu primeiro programa de rádio quinzenal para defender o ministro. Ainda nas especulações sobre a reforma ministerial, o nome de Berzoini foi cotado para assumir o superministério que vai coordenar toda a área social. No entanto, integrantes do governo acham que o superministro não pode ter em seu currículo uma história de desrespeito aos velhinhos.
O arranhão na imagem de Berzoini seria um dos motivos para tirá-lo da Previdência e até do Executivo. Com isso, o ministro voltaria para o Congresso Nacional, onde é deputado pelo PT paulista. Disciplinado como é, Berzoini vai sem reclamar. O futuro na Câmara é incerto. Apesar de chegar com o cacife de ex-ministro, na opinião de deputados da bancada petista, precisa trabalhar no parlamento antes de ocupar um cargo forte, como a liderança do partido ou a presidência da Casa.
Enquanto Lula não anuncia a reforma, o ministro continua cumprindo a agenda — não tão movimentada como no ano passado. Na manhã de ontem, participou da abertura da semana de comemorações dos 81 anos da Previdência Social no Brasil. Evitou falar de futuro. No entanto, deixou o recado: ‘‘A Previdência não pertence a nenhum governo, mas a todos os brasileiros’’, discursou.