Mudança de hábito e índices positivos

Jul 19 2008
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Diário da Manhã – Passo Fundo, 19/7/2008
Lei de tolerância zero ao álcool completa um mês de vigência e já mostra mudanças no comportamento das pessoas. O melhor são as estatísticas: o número de acidentes com vítimas caiu pela metade em algumas regiões do país.

Completando um mês em vigor neste domingo (20), a lei de tolerância zero ao álcool ao volante, Lei Seca, está mudando o comportamento das pessoas que costumam sair ou trabalhar nas noites de Passo Fundo. A mesma regra vale para todos: é proibida a condução de veículo automotor depois da ingestão de bebidas alcoólicas, com tolerância de duas decigramas de álcool por litro de sangue no corpo, equivalente a menos de uma lata de cerveja, dependendo do sexo, peso e perfil de cada pessoa. Caso contrário, as punições são de multa de R$957,70, apreensão da Carteira Nacional de Habilitação pelo período de um ano, apreensão do veículo, e, no caso de flagrante de motorista com quantidade superior a seis decigramas, a prisão do acusado, com direito a fiança, que varia de caso para caso, mas com valores médios de R$1mil.

Proprietários de bares, restaurantes, casas noturnas, taxistas, representantes de entidades comerciais e consumidores divergem em suas opiniões. Muitos são a favor da nova lei, mas ainda existe grande rejeição por parte tanto de alguns comerciantes, que alegam estar tendo prejuízo, mas principalmente de alguns consumidores, que dizem estar difícil sair de carro à noite e não beber nenhuma "cervejinha". Em contraponto, segundo o capitão Gilcei, chefe do 1º Subgrupamento de Combate a Incêndios (SGCI) dos Bombeiros de Passo Fundo, coincidência ou não, o número de ocorrências de acidentes de trânsito com pessoas feridas reduziu na cidade, na comparação da primeira quinzena de junho, sem a Lei Seca, com o mesmo período de julho, já com a nova lei em vigor. Os acidentes envolvendo carros foram os que apresentaram maior redução, passando de 24 para 12, redução de 50%. Já casos envolvendo motocicletas praticamente se mantiveram, passando de 39 para 38. Porém, para o capitão, o número dos acidentes com moto é considerado positivo, já que há um bom tempo apresentavam um crescente, e agora mostraram redução. Gilcei explica que é muito cedo para se ter a certeza que as ocorrências caíram por causa da Lei Seca. Para ele, os horários dos acidentes mostram que não, já que grande parte é registrada no início e no final da tarde, entre 13h30 e 14h30 e 18h30 e 19h30, horários de pico na cidade. Porém, salienta que percebe uma maior preocupação e conscientização por parte dos motoristas.

Conseqüência da lei

Apesar de estar gerando prejuízo para alguns empresários do ramo de bebidas, a Lei Seca poderá trazer benefícios ao bolso dos consumidores. A Fenseg (Federação Nacional de Seguros Gerais), anunciou nesta semana que o seguro veicular pode ter redução entre 10 e 20% no valor pago atualmente, caso os índices de acidentes de trânsito continuem mostrando queda nos próximos três meses. Se o risco de acidentes diminuir, de acordo com a Fenseg, as empresas deverão reavaliar os custos das apólices e reduzir o valor cobrado. A redução deverá ser aplicada próxima a janeiro de 2009, mas devido à concorrência, algumas seguradoras podem antecipar o benefício. Já em Porto Alegre, o Sindicato dos Taxistas (Sintáxi) e representantes de bares, restaurantes e casas noturnas da cidade estão em fase de reuniões e estudos para viabilizar um projeto de convênio, com o objetivo de criar uma espécie de parceria entre estes estabelecimentos e alguns taxistas cadastrados. Estes fariam a corrida cobrando preços especiais para os clientes que preferissem deixar seus veículos em casa e ingerir bebidas alcoólicas. A idéia ainda está sendo discutida pelo fato de que o desconto contemplaria alguns clientes e outros não teriam o mesmo direito.

Comodidade e segurança

Em um jantar baile de confraternização em comemoração ao Dia do Comerciante, promovido no último sábado (12) para afiliados, o Sincomércio de Passo Fundo adotou uma medida que está sendo usada nas grandes cidades do país depois do início da Lei Seca. O sindicato disponibilizou uma Van para todos os convidados que quisessem ingerir bebidas alcoólicas sem se preocupar com o transporte. "Nossa Van fez mais de 300km dentro da cidade de Passo Fundo levando as pessoas", coloca o presidente Derli Neckel. Ele explica que os participantes da festa foram orientados na hora do recebimento dos convites de que o serviço seria oferecido gratuitamente, e que quem preferisse poderia ir até o jantar de carona, ou mesmo de táxi, e voltar com a Van. "As pessoas estão nos procurando para parabenizar por essa atitude". Além desta comodidade, no jantar o Sincomércio disponibilizou um motorista, que foi acionado algumas vezes para dirigir os carros dos afiliados que optaram por ir a festa com seu veículo particular, mas que acabaram bebendo alguma coisa. "Eles puderam se divertir e tiveram a certeza de que chegariam em casa bem, sem causar nenhum acidente". Neckel finaliza dizendo que espera que a medida seja adotada por outras empresas e instituições da cidade. "A idéia foi lançada, agora esperamos que outras pessoas passem a fazer uso da mesma, tanto em restaurantes, quando em festas ou boates".

Cinco pontos de vista

Para o empresário Lucas Grazziottin, que possui dois estabelecimentos que oferecem bebidas alcoólicas na cidade, uma casa noturna e um café, a venda de bebidas não teve grande redução nesse período de vigência da lei. Segundo ele, o que caiu um pouco foi o movimento na noite. "As pessoas estão mais preocupadas em sair de casa. Tem gente se juntando em grupos para sair na noite, e o que está dirigindo acaba não bebendo". Grazziottin adianta que, durante a última semana, fez diversos contatos com a associação dos taxistas de Passo Fundo, tentando uma parceria que acarretaria em redução de custos para os clientes.

"Se a idéia der certo, os taxistas terão a garantia de mais corridas, e os clientes pagarão menos pelo serviço durante a noite". Lucas Grazziottin, empresário

Para o estudante e "baladeiro" Thiago, que preferiu ser chamado apenas pelo primeiro nome, a Lei Seca está fazendo com que cada pessoa pense antes de ingerir qualquer bebida alcoólica. "Mesmo que esteja com vontade de beber, se você está de carro vai pensar duas vezes antes de comprar e tomar uma cerveja", relata o estudante. Segundo Thiago, ainda existe muito gente que não se preocupa, mas o fato de que, ser flagrado dirigindo alcoolizado pesa no bolso e também resulta em processo na justiça, podendo causar até mesmo prisão, faz com que a maioria das pessoas fique com medo.

"O negócio agora é sair junto com os amigos e um sempre ficar sem beber. Táxi ainda é muito caro em Passo Fundo". Thiago, estudante e "baladeiro"

Em outro estabelecimento comercial, que costuma reunir grande número de clientes nos dias em que há jogos da dupla gre-nal, a redução na venda de bebidas alcoólicas chega a mais de 20%. É o que diz o proprietário, Dimas Brock, que notou que o movimento ainda é normal, mas a cerveja, antes o principal produto comercializado, agora passou a ser secundária. "Os clientes estão com medo de beber e depois dirigir, por isso, estamos vendendo muito mais sucos e refrigerantes do que antes da Lei Seca". O comerciante ainda relata que possui um estabelecimento do mesmo gênero em Santa Catarina, e diz que lá o movimento não caiu. Brock salienta que antes da nova lei entrar em vigor, notava que os clientes não se preocupavam muito em beber e depois ir para casa dirigindo seus veículos.

"Hoje, os que bebem ficam receosos, e acabam muitas vezes chamando um táxi. Os taxistas é que estão faceiros com a nova lei". Dimas Brock, empresário

Alguns taxistas de Passo Fundo estão animados com a Lei Seca. Fernando Morais e Márcio Scaravelli, que atuam na rua Bento Gonçalves, no centro, dizem que desde que a lei entrou em vigor, o movimento vem aumentando durante o período da noite entre 20 e 30%. "Nas noites, principalmente dos finais de semana, é que vemos a maior mudança", comenta Morais. Os taxistas dizem que alguns clientes, principalmente os mais jovens, reclamam da nova lei, pelo fato de terem que desembolsar uma quantia que poderia ser evitada. Os clientes dizem que estão usando o táxi porque têm medo de levar uma multa e perder a carteira por um ano. Apesar disso, ambos consideram a medida positiva, tanto pelo fato de aumentarem seus lucros, mas também pela diminuição dos riscos no trânsito, e consequentemente dos acidentes.

"Os clientes reclamam bastante". Fernando Morais, taxista

Em outra casa noturna da cidade, a venda de bebidas e o movimento de pessoas não demonstrou redução, de acordo com o administrador Cezar Aru. "Notamos a organização dos clientes e também a aceitação dos mesmos perante a lei". Além disso, ele diz que pelo fato de as pessoas optaram pelo uso de táxis ou de rodízio com amigos, acabam se divertindo e bebendo mais do que o normal. Aru considera a Lei Seca muito positiva, e diz que a partir de agora espera que as pessoas passem a ter mais responsabilidade e consciência na condução de seus veículos. "Já perdi amigos por causa de acidentes provocados por motoristas embriagados, e não quero que isso se repita", relata.

"As pessoas não estão proibidas de beber, mas sim de beber e dirigir. Esse tipo de regra deve ser mantida". Cezar Aru, administrador