O Congresso quer as reformas
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Exame – São Paulo, SP – 22/02/2007
Pesquisa exclusiva feita por EXAME com 533 deputados federais e senadores comprovou que, pelo menos no Parlamento, há espaço para aprovar as mudanças estruturais de que o país precisa
Por Gustavo Paul
EXAME Se depender da vontade da maioria dos congressistas, o caminho está aberto para a promoção das reformas estruturais necessárias para modernizar o Brasil e estabelecer bases sólidas para o crescimento econômico. Essa disposição saudável é a principal constatação de um levantamento inédito e exclusivo feito por EXAME, na primeira quinzena de fevereiro, com a nova safra de deputados federais e senadores. Foram ouvidos 533 parlamentares, que representam quase 90% dos 594 membros do Congresso (a lista completa pode ser vista no Portal EXAME). Desses, 114 não quiseram responder. Entre os que opinaram, a ampla maioria apóia a reforma tributária (96%), é a favor da reforma da Previdência (78%) e concorda que o país precisa promover mudanças constitucionais nas relações trabalhistas (79%). "Eu não tinha a dimensão de que havia um apoio tão grande às reformas", afirmou o ministro da Fazenda, Guido Mantega. "Os resultados são um bom começo e refletem a predisposição dos parlamentares em promover alterações de fôlego na estrutura econômica brasileira", diz o cientista político Murillo de Aragão.
A boa vontade expressa pelos parlamentares ao responder à pesquisa, porém, precisa ser interpretada com cautela, principalmente por se tratar de temas de alta complexidade. As respostas às questões elaboradas a pedido de EXAME por especialistas nas três áreas mostram que, ao descer aos detalhes, o consenso inicial se dilui. É o caso das medidas sugeridas para a Previdência Social, cujo rombo é o principal fator de desequilíbrio das contas públicas — em 2006, o déficit sugou 42 bilhões de reais do Tesouro Nacional. Nenhuma das iniciativas cogitadas mereceu mais que 50% de aprovação, o que deixa clara a dificuldade de mudanças nas regras. De um lado estão os congressistas que defendem um modelo mais austero e unificado, sem privilégios e exceções. De outro, aqueles que entendem que as alterações não podem ser radicais e que devem ser mantidas situações especiais, como a de professores, militares e trabalhadores rurais — que se aposentam mais cedo que os demais trabalhadores. "As pessoas sabem que é preciso reformas, mas não há um acordo sobre como fazê-las", diz o consultor José Cechin, ex-ministro da Previdência Social. "Esse papel de persuasão cabe ao Executivo."
Placar favorável |
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O percentual dos parlamentares opinantes que disseram sim para cada reforma |
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Reforma Tributária |
96% |
Reformada Previdência |
78% |
Reforma Trabalhista |
79% |
Em relação à reforma trabalhista, que poderá reduzir o custo da folha de pagamento das empresas e com isso estimular novas contratações, também há opiniões divergentes. É notável a preocupação de uma parcela do Parlamento de não macular velhos ícones trabalhistas, como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Muitos deputados argumentaram que tocar nessas regras seria uma forma de lesar o FGTS, considerado patrimônio do trabalhador. "A proposta é negociar a alíquota e não a extinção do fundo de garantia", afirma o professor José Pastore, especialista em direito trabalhista. Por outro lado, uma boa notícia é a concordância da maioria dos congressistas quanto a tornar negociável a jornada de trabalho. "Essa medida faria com que as pessoas pudessem trabalhar de acordo com a conjuntura, ou seja, mais quando é necessário e menos se não há demanda", diz Pastore. "É uma boa forma de acabar com os bancos de horas e evitar férias coletivas."
De todas as reformas, a que mereceu maior apoio foi a tributária, assunto que contraditoriamente dormita nos corredores do Congresso desde 2003. Colocar o dedo nessa ferida é crucial para facilitar a vida das empresas brasileiras e tornar mais ágil a economia. A estrutura tributária do país é arcaica e pouco eficiente, com um número excessivo de impostos e alíquotas. O resultado é que poucos pagam muito imposto e muitos pagam pouco ou não pagam nada. Se depender da maioria dos parlamentares, as 27 legislações estaduais que tratam do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) poderão ser unificadas em uma única lei e os impostos federais, estaduais e municipais poderão ser fundidos em um só, o imposto sobre valor agregado (IVA). "Esse resultado me impressionou positivamente, porque o percentual é muito grande", diz o deputado Beto Albuquerque, do PSB gaúcho, líder do governo na Câmara. "A medida mataria pela raiz a guerra fiscal entre os estados." Tanta disposição dos parlamentares não afasta o ceticismo dos tributaristas. "Quando a discussão começar de fato no Congresso, vão surgir restrições impostas pelos governos estaduais, e as propostas poderão não avançar", diz o consultor Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal. Um dos entraves é a legislação da Zona Franca de Manaus, que sobrevive graças à isenção do imposto sobre produtos industrializados (IPI) concedida às empresas lá instaladas. "Seria ideal se os parlamentares tivessem coragem de manter sua opinião pessoal na hora do voto", afirma o tributarista Ives Gandra.
No universo político de Brasília, não basta apenas a vontade do parlamentar — ainda que esteja em maioria — para que as reformas saiam do limbo. "É importante que o governo queira tocá-las, para mobilizar sua base de apoio, ou que a opinião pública se manifeste de forma contundente", lembra o cientista político David Fleischer. Essa é a regra básica do jogo. Contando com a maioria dos parlamentares em sua base de apoio, o governo federal tem a prerrogativa de determinar a agenda política do país. E, pelo menos no discurso, o governo diz que gostou dos dados apurados pelo levantamento de EXAME. "O Congresso está sintonizado com as medidas que queremos tomar", diz o ministro Mantega. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) prevê a discussão da reforma da Previdência em um fórum amplo, e o Palácio do Planalto vai discutir com os governadores medidas para a reforma tributária em uma reunião, marcada para o dia 6 de março. "Estou inclinado a pensar que será necessário fazer uma reforma da Previdência e considero que a tributária é imprescindível", diz Mantega. Se conseguir a proeza de destravar essas duas reformas — o que não foi capaz nos primeiros quatro anos de mandato –, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva dará um passo importante para o país. Resta ainda ser ousado o suficiente para incluir na agenda oficial a reforma trabalhista, a única que ainda não foi colocada na mesa. Pelo menos com a receptividade do Congresso para discutir as mudanças, o governo parece que pode contar.