Panorama Político :: Rachas e seqüelas
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O Globo, 1/2/2007
Tereza Cruvinel
As taxas de irracionalidade na política nacional subiram muito ao longo de janeiro em função da eleição de hoje para as Mesas do Congresso. Não é impressão de quem volta de férias: este carnaval de blocos formados na última hora para garantir maiores nacos de poder na Casa fala por si. O resultado mais imprevisível, o da Câmara, não fará diferença para o governo Lula, salvo no caso de uma improvável vitória do tucano Gustavo Fruet. Mas as escaramuças no campo governista e no da oposição podem sugerir o início de fortes realinhamentos para o futuro médio, com vistas a 2010.
Reagindo à formação do bloco de esquerda (PSB, PCdoB e PDT) que apóia Aldo Rebelo e congrega 70 deputados, o PT e o PMDB oficializaram ontem um megabloco de centro-direita, formado por oito partidos que somam 273 deputados. Aritmeticamente, esse bloco garante a vitória do petista Arlindo Chinaglia. Mas só aritmeticamente, pois, se nem dentro dos partidos pratica-se a fidelidade, quem dirá num bloco tão heterogêneo. Aldo terá alguns votos ali. “Traição haverá também nos outros blocos”, diz o deputado Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), apostando na vitória de seu petista no primeiro turno.
Mas se houver segundo turno, a disputa fica imprevisível. Vencerá aquele que obtiver a maior parte dos votos dados a Fruet no primeiro turno. Porém, nem é o caso de se falar em uma tarde ou noite “dos longos punhais”. Mais do que a traição, reinará a confusão. Quando um partido com a expressão do PSDB não se dispõe a optar oficialmente por um dos governistas num eventual segundo turno entre eles, é o tempo de murici: cada um por si. Embora a cúpula partidária, senador Sérgio Guerra à frente, trabalhasse ontem pelo apoio a Aldo, o novo líder, Antonio Carlos Pannunzio, dizia preferir a liberação da bancada: “Se houver esta situação, já sabemos que nenhum dos nomes unirá o partido”. Está aí um sinal de como é aguda a crise interna do PSDB.
Embora o partido tenha formado um bloco com o PFL e o PPS para garantir mais espaços na Mesa, o fato de os tucanos não terem acompanhados os pefelistas no apoio a Aldo – optando inicialmente pelo petista e, depois do rechaço de sua base social, pela candidatura alternativa de Fruet – aumentou a distância entre os dois velhos aliados. Dificilmente estarão juntos em 2010.
E, se a vitória for do petista, com apoio dos tucanos, eles enfrentarão novas reações: “A base social do PSDB não aceitará um resultado em que a estrela virá no bico tucano”, diz o deputado Beto Albuquerque (PSB), aliado de Aldo.
O megabloco PT-PMDB pode ser apenas uma flor eleitoral que murchará depois da eleição. Sobrevivendo, pode garantir maioria folgada ao governo. Somado ao bloco de esquerda, garantirá até o quórum qualificado (308 votos) para a aprovação de emendas constitucionais. Mas como acreditar que um bloco formado às pressas para cavar espaços na Mesa e ter melhores ofertas a fazer aos aliados será longevo e orgânico?
Certo é que a cisão da base governista pela esquerdas pode ter desdobramentos, assim como o racha no campo da oposição. Ao aliar-se ao PMDB e a outros partidos, o PT deixou do outro lado os aliados de esquerda de todos os tempos, PSB, PDT e PCdoB. “O PT é que optou pela direita. Se isso terá conseqüências futuras, saberemos com o tempo”, diz ainda Beto Albuquerque.
O bloco de esquerda tem ao menos uma alternativa presidencial para 2010, o agora deputado Ciro Gomes, justamente um dos que mais falou nos últimos dias contra a insensata divisão entre os governistas. Mas a insensatez foi geral: a do presidente Lula, que não investiu na unidade de sua base enquanto era tempo; a do PSDB, ao fazer um incompreensível movimento de apoio ao rival PT; a do PFL, ao lançar a candidatura de Agripino Maia, quando o Senado já se unia em torno de Renan Calheiros; a do PSDB, ao apoiar Agripino a contragosto só para parecer politicamente correto; e por fim a dos blocos de ocasião, unidos só por interesses imediatos, que mascaram a verdadeira correlação de forças.
A disputa obscurece o fato de que começa hoje uma nova legislatura. Dos que chegam depende muito a expectativa de que ela não repita a que passou, de tão triste memória.
Fala fácil
O deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) declarou que a noite de Brasília é infestada por deputados, lobistas e prostitutas. Vinda de quem vem, a frase choca por sua carga de preconceito e generalização, que ofende todos os que freqüentam a noite na capital. Em relação às prostitutas, soa estranhíssimo porque Gabeira é também autor do polêmico projeto que regulamenta essa antiga e deprimente atividade, o que para muitos pode servir de estímulo à sua expansão. Para quem acaba de submeter-se a uma nova eleição, colhendo grande êxito, é também estranha a estigmatização da figura do deputado, como se a função tornasse desprezíveis todos os que a exercem. Já os lobistas, existem em Brasília e em qualquer outra arena de poder. Estamos mesmo no tempo do sucesso pela palavra fácil.
Contas no escuro
Os aliados do petista Arlindo Chinaglia dizem que ele pode ganhar no primeiro turno. Os de Aldo Rebelo reconhecem que ele tem mais votos mas estão certos de que haverá segundo turno. Havendo, contam com os votos da maioria dos tucanos para virar o jogo. Mas os tucanos da Câmara, apesar da pressão da cúpula, parecem dispostos a votar no petista para garantir a primeira vice-presidência ao mineiro Narcio Rodrigues. O PT cedeu o cargo mas, se constatar que o acordo não foi honrado, pode mudar de idéia.
Todas essas contas, entretanto, têm um vício de origem: partem da meta de 257 votos, a metade mais um de toda a Câmara. Mas, para ganhar, basta a metade mais um dos votantes, desde que a maioria vote. Uma forte abstinência dos novos, por exemplo, pode influir muito no resultado.