Retirada estratégica

Mar 27 2005
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Correio Braziliense

Correio Braziliense, 27/03/2005
Retirada estratégica
 
Segue rotina de atropelos o trâmite da Medida Provisória nº 232 desde que, elaborada de afogadilho, desembarcou na Câmara dos Deputados no final de 2004. Não houve prévia submissão da matéria ao processo regular de decantação política e diálogo com os agentes econômicos. E o que começou de modo equívoco parece condenado a um desfecho ainda pior. Daí a recomendação do presidente do Senado, Renan Calheiros, para que o Executivo retire a matéria do Congresso a fim de permitir a abertura de novo prazo para conversações em demanda de um texto consensual.

O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, colocará a MP em votação terça-feira, com ou sem acordo de lideranças. O problema é que, na avaliação do presidente do Senado, do vice-líder do governo, deputado Beto Albuquerque, e de líderes das bancadas governistas, a MP corre risco altíssimo de ser rejeitada. Se, na data marcada por Cavalcanti, não houver deliberação, a pauta da Câmara ficará trancada a partir do dia 31.

Além de aumentar impostos contra toda a expectativa do sistema produtivo, já estrangulado por carga tributária considerada das mais altas do mundo, o governo usou a via inconveniente da medida provisória. Semelhante delegação legislativa facultada pela Constituição ao Executivo produz efeitos desde sua expedição. Efeitos, explique-se, que perderão eficácia apenas se a MP não for convertida em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável por igual período, ou rejeitada.

Os preceitos acolhidos na MP nº 232 aumentaram de 28% para 40% a base de cálculo da Contribuição Social Sobre o Lucro (CSSL) e do Imposto de Renda das empresas prestadoras de serviços optantes pelo recolhimento por lucro presumido. Além de insuportável, a nova incidência tributária alcança, por exemplo, desde a mais avançada clínica médica até barbearias e microempresas dedicadas ao conserto de fechaduras. Tão elevada é a obrigação que se configura como verdadeiro confisco, expropriação vedada pela Constituição (artigo 150, IV).

Seria conveniente que as advertências sobre a abusiva exasperação do contributo fiscal e os riscos de sua rejeição iminente fossem acolhidas pelo governo. No caso, a forma de evitar o pior é, sem dúvida, a retirada da matéria. E, a seguir, abrir negociações com a participação dos agentes econômicos alvejados pelo excessivo rigor tributário e interlocutores políticos aptos a aplainar o caminho para a convergência de vontades.

A obsessão da equipe econômica de sangrar as veias da produção com novos encargos põe-se na contramão da realidade. São cada vez mais robustos os fluxos de recursos com que os impostos inundam o Tesouro. Em fevereiro, a Receita Federal arrecadou nada menos de R$ 25,12 bilhões, acréscimo de 3,01% sobre igual período do ano passado. Tais valores representam recursos já deflacionados pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Antes de cogitar de pressões tributárias, o governo agiria de forma coerente com a necessidade de injetar mais dinamismo na economia se cuidasse de desonerar os custos das empresas. É da espécie, por sinal, a aspiração que prepondera dentro do Congresso e na sociedade.