Ricardo Pacheco

Aug 25 2007
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O Nacional – Passo Fundo, 25/8/2007

Em entrevista ao Segundo, o músico passo-fundense Ricardo Pacheco conta um pouco sobre sua trajetória de 22 anos e a experiência de gravar um DVD ao lado de grandes figuras do cenário musical gaúcho. O show de gravação será no dia 29, no 540 Pub, a partir das 22h

Segundo – Como você se tornou músico?

Ricardo Pacheco – Bom, eu comecei minha carreira em 1985, saindo de uma formação bem regionalista. Participava de grupos de invernada de CTGs e era essa a idéia a princípio. Eu gostava muito de música, tinha essa influência em casa, pois meu irmão mais velho tocava violão e meu pai acordeom,, então sempre estive em contato com essa arte. Acabei me tornando músico quase que por uma condição imposta.

Segundo – E o que foi que desencadeou isso definitivamente?

RP – Eu tinha por volta de 15 anos e recebi o convite de um menino chamado César Ferreira. Na época, início dos 80, Renato Borghetti recém estava estourando e o César era meio que um fenômeno, ele acabou sendo lançado como o maior concorrente do Renato Borghetti. Então, no primeiro rodeio de Passo Fundo, nos conhecemos e ele me convidou para ir dividir apartamento em Caxias do Sul. E, como todo adolescente, eu tinha aquela fantasia de querer ser artista, de cantar, brilhar, então fui para Caxias, mas eu não achava que ia ser músico, fui sem pensar. Eu achava que iria ser mais um brasileiro, filho de pobre, preparado para apenas sobreviver, o que é, infelizmente, a situação do nosso país. Se eu tivesse seguido outra carreira, talvez não tivesse conhecido um terço do que conheci e vivi, a oportunidade de conhecer pessoas, muitas vezes importantes, chegar inclusive a ser uma pessoa importante, de certa forma. E foi assim que eu caí no mundo como músico.

Segundo – Você passou um tempo afastado da música. O que aconteceu?

RP – Antes disso fui morar no Paraná, onde montei um trio com mais dois argentinos. É importante ressaltar isso, pois é justamente daí que vem a influência da música latina no meu trabalho. Nós fazíamos uma mescla de vários estilos, pegávamos músicas em espanhol e criávamos versões em português e vice-versa. Cheguei até a passar um período na Argentina, mas logo voltei para o Rio Grande do Sul. Em 1989, fiquei um longo tempo nos “braços da burocracia”, trabalhando com o deputado Beto Albuquerque, em Porto Alegre. Foi nesse período que a música foi ficando meio de lado, mas jamais por falta de amor, e sim pela situação, pelo tempo que era direcionado a essas outras atividades. Quando percebi a besteira que estava fazendo, tratei de voltar para a música (risos).

Segundo – Quando você se tornou compositor?

RP – No ano de 1994 trabalhei com Yamandú Costa, e então começou a despertar em mim a vontade de compor. Foi aí que conheci Caetano Silveira, que é um grande parceiro meu desde aquela época. Quando surgiu o primeiro Festival de Música de Porto Alegre, decidimos colocar uma música e inscrevemos no festival a música Ritual, com a qual tiramos segundo lugar em melhor arranjo. A partir daí comecei a acreditar que valia a pena investir nesse caminho, pois haviam loucos que pensavam como eu, e acredito que a música seja isso mesmo, procurar outros loucos que se identifiquem com a sua loucura, com a sua criação. A partir daí participamos de vários outros festivais, e a coisa como compositor foi fluindo.

Segundo – A gravação do DVD será a realização de um sonho?

RP – Bom, na realidade esse momento é muito mais importante do que eu estava dimensionando. Quando se vai registrar o trabalho, geralmente, existe a influência da gravadora, há a preocupação em relação ao repertório que se vai gravar, para que dê um resultado comercial. Se eu fosse me encaixar nisso, seria ir contra a minha própria história, pois eu passei a minha vida toda lutando contra isso, cantando João Bosco, Chico Buarque, sem recorrer à música pop, então seria ir contra tudo isso. O repertório desse show é uma tomada de músicas da minha vida, então é um privilégio poder gravar esse repertório. Além dos músicos que vão participar, todos com um talento inquestionável, como o Marcelo Pimentel, por exemplo, meu parceiro já há quase 20 anos. A maioria dos artistas, quando vai registrar seu trabalho, se depara com esse tipo de situação, e eu não vou precisar disso, isso anima muito.

Segundo – Fale mais sobre o repertório.

RP – Ele é extremamente variado. Estou gravando uma música do Lenine, chamada Paciência. Há composições de um sambista da década de 30, chamado Geraldo Pereira, que é algo maravilhoso, com letras muito bem elaboradas. Tem também canções de um compositor daqui do Rio Grande do Sul, chamado Cenair Maicá, sendo dele, inclusive, a música que me acompanha há mais tempo. Ela se chama Canto dos livres, e meu pai sempre pedia para cantá-la, por isso ela é muito importante para mim. Em função dessa parceria com o percussionista Marcelo Pimentel, os tambores são muito presentes na minha concepção musical, presente desde o momento em que vou compor, então nós fizemos um novo arranjo para essa música baseado no candombe, o samba dos negros uruguaios, que se trata de um ritmo bem bailável e alegre. Tem uma música regional que é Última lembrança, do Luis Menezes, uma valsa muito linda. Tenho ligação com uma outra família, que me adotou em Porto Alegre, cujo “chefe” havia sido o violonista de Lupicínio Rodrigues. Ele, sempre apaixonado por essa música, já bem velho, me pedia para tocar a “valsinha” dele. Essas histórias praticamente me obrigaram a por essas canções no repertório, porque eu tenho uma ligação espiritual muito grande com elas.

Segundo – E as parcerias?

RP – Hoje tenho o privilégio de dizer que já toquei com praticamente todas as pessoas que eu tinha vontade de tocar, aquelas que sempre tive como referência, como é o caso do show de agora, em que vou trabalhar com Alegre Corrêa, Raul Boeira, Otávio Segala, Guinha Ramires, que inclusive está fazendo a direção musical e é maravilhoso, um dos melhores músicos do mundo. Além de Texto Cabral, um dos instrumentistas mais premiados do RS, que gravou junto comigo o disco Transversal. Gravei ainda uma música do Gerson Oliveira, um compositor maravilhoso de Porto Alegre, e vou gravar uma música do Luis de Miranda que se chama Pampa de luz, em uma versão em espanhol. Tenho parcerias com inúmeros artistas, entre eles Pirisca Grecco, que entrou na minha vida há pouco tempo, mas é um ser abençoado. Eu não tenho medo de falar que ele será o divisor de águas da nossa música regional rio-grandense, o que falta é um processo de maturação das pessoas para receberem um trabalho tão elaborado, já que, infelizmente, e eu posso dizer isso porque saí justamente da música regional, é um segmento bastante limitado tecnicamente. Uma prova é o Yamandú, que saiu da música regional justamente por precisar ampliar seus horizontes. Lembro da época em que trabalhamos juntos e ele ainda não havia saído da música regional. Ficava impressionado com os acordes elaborados da MPB. Tem até a música Sampa, que ele gravou e que, inclusive, a primeira vez que tocou foi junto comigo, lembro até hoje dele dizendo que aquilo não existia, não era possível (risos).

Segundo – Como está sendo a preparação para a gravação do DVD?

RP – O formato dessa gravação é uma coisa que está sendo muito linda, porque eu estou fazendo praticamente sem dinheiro. Quando comecei a idéia do projeto de fazer o DVD, como eu também trabalho com produção, passei a levantar os custos. E na relação de material humano, equipe técnica, músicos etc, eu descobri que tinha, dentro das minhas relações de amizade, todas as pessoas das quais eu precisava. Então consegui juntar todos esses amigos e agora estou com a estrutura de equipe toda montada. Até agora, pouco se falou em dinheiro, todos estão apoiando por amizade e empolgação ao projeto. Essa visão de sucesso que a maioria das pessoas tem para mim é equivocada, para mim, sucesso é realização. Se me perguntassem, hoje, se me considero um músico de sucesso, eu diria que sim, pois a prova está aí, nesse trabalho que estou realizando. As participações musicais do DVD, na realidade, vejo como avalistas do meu trabalho. Todos esses avalistas, essa equipe técnica, todos acreditando em uma proposta, acreditando em mim e na minha música, vai ser maravilhoso.

Segundo – E para depois de o DVD estar pronto, quais são as expectativas?

RP – A distribuição, a princípio, era um empecilho. A tiragem seria de apenas mil cópias, justamente por esse problema da distribuição. Agora, com o apoio da gravadora, nós vamos prensar 10 mil cópias com distribuição para todo Brasil, o que é uma coisa que nos leva a outro patamar. É um fato que está impulsionando mais ainda todo mundo, incentivando a todos a realizar esse trabalho com a melhor qualidade possível, rendendo mais trabalhos futuros para todo mundo. Acho que esse espírito cooperativo é uma coisa bem interessante de se salientar. Esses profissionais são todos pessoas que começaram comigo e são todos muito próximos uns dos outros. Esse show, para nós, será como uma festa.

Segundo – O que você acha do cenário musical passo-fundense?

RP – A realidade de Passo Fundo, Porto Alegre e outros lugares do Brasil é a mesma, o mercado age de uma forma e nós de outra. O mercado transforma as músicas em produto, e eu acredito que a partir do momento que você cria uma música que não seja uma verdade sua, feita para ser um produto, ela deixa de ser música, como é o caso da música pop, que se tornou apenas uma série de jingles repetitivos. Acredito que isso seja se aproveitar de um dom sagrado, que é a música, de uma forma terrível. A dificuldade existe para quem quer trabalhar com verdade e não com produtos, porque não existe veículo, por exemplo. Eu gostaria muito que nós, músicos, tivéssemos veículos de rádio e televisão que dessem a mesma oportunidade que eu estou tendo agora, de falar da minha música e do meu trabalho de uma forma tão prazerosa.