Sem oposição e sem debate

Feb 14 2007
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Correio BrazilienseCorreio Braziliense, 14/02/2007
Sem oposição e sem debate

Gustavo Krieger

INVESTIMENTOS

Ministros vão à Câmara apresentar detalhes sobre o Programa de Aceleração do Crescimento e são recebidos por uma Casa esvaziada. PSDB e PFL fizeram tímidos ataques ao PAC. Já Ciro criticou a “insanidade cambial”

“Há quatro anos o Brasil espera o espetáculo do crescimento”
Deputado Júlio Redecker (PSDB-RS)

O primeiro teste político do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) trouxe uma boa e uma má notícia para o governo Lula. A boa foi que os líderes da base aliada mostraram-se afinados na defesa do projeto. A má foi a falta de interesse demonstrada pela maioria dos parlamentares. O plenário da Câmara, que estava lotado durante a votação das emendas ao projeto de criação da Super-Receita, esvaziou-se no momento em que os ministros ocupavam seus lugares na Mesa da casa. Para o governo, que tem pressa em aprovar as propostas do plano, o baixo comparecimento é um sinal preocupante.

Era uma chance rara para o debate. No plenário da Câmara estavam três dos ministros mais importantes do governo Lula: Dilma Rousseff (Casa Civil), Guido Mantega (Fazenda) e Paulo Bernardo (Planejamento). Mas o clima foi morno, apesar dos esforços de alguns parlamentares da oposição. As regras da sessão foram definidas entre o presidente da casa, o petista Arlindo Chinaglia (SP), e pelos líderes de bancada, onde a base do governo tem maioria. Elas foram pensadas para poupar os ministros de maiores constrangimentos.

Os ministros foram os primeiros a falar, sem que os deputados interrompessem. Durante uma hora e 17 minutos os três apresentaram as principais obras e projetos do PAC. Mais uma vez, abusaram das imagens e tabelas, projetadas no telão do painel de votação da Câmara.

Depois, a palavra foi entregue aos líderes de bancada. Dessa vez, quem passou mais de duas horas ouvindo foram os ministros. Com tantos discursos em seqüência, até mesmo os ataques mais duros acabaram se perdendo. Primeiro a falar, o líder da oposição, Júlio Redecker (PSDB-RS), criticou a política econômica do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. “Há quatro anos o Brasil espera o espetáculo do crescimento”, disse. Ele não se opôs às medidas que estão no PAC, mas considerou o plano insuficiente. “Não há uma linha sobre 40% do PIB, que vem do setor agrário”, condenou. Mais duro foi o discurso do líder do PFL, Ônix Lorenzoni (RS). Ele viu no plano um caráter autoritário e “inspiração chavista”.

Mudanças
Enquanto os ministros assistiam, os líderes governistas assumiam a defesa do plano, apresentado por eles como um caminho seguro para o crescimento do país. Mas deixaram claro que trabalharão por algumas mudanças. O líder interino do governo, Beto Albuquerque (PSB-RS) disse aos ministros que “é quase uma unanimidade no Congresso assegurar a remuneração dos recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) que serão investidos no PAC”. Outros deputados cobraram obras do plano para suas bases eleitorais.

O discurso mais esperado foi o do deputado Ciro Gomes (PSB-CE). Ex-ministro da Fazenda, ele é aliado de Lula, mas um crítico da política econômica. Ciro defendeu o programa, mas fez críticas macroeconômicas. Disse que o Brasil vive uma “insanidade cambial” (com o dólar muito desvalorizado) e advertiu: “Para dar certo, o PAC precisará de uma inédita e estratégica coordenação. Especialmente sobre o Banco Central e a Petrobras. Se essas duas áreas não se enquadrarem, temo pelo êxito do PAC.”

Mesmo cortado, Orçamento atende a base

Beto Albuquerque com Rachid: “com o PAC as receitas vão acontecer”

Com medo de virar alvo fácil dos parlamentares de oposição e de ser atacado por rebeldes da base aliada, o governo decidiu adiar o anúncio de cortes ao Orçamento 2007. O congelamento dos recursos deveria ter sido formalizado ontem, mas só acontecerá hoje. O Palácio do Planalto julgou que ficaria exposto demais no dia em que três de seus principais ministros —– Dilma Rousseff (Casa Civil), Guido Mantega (Fazenda) e Paulo Bernardo (Planejamento) — estiveram no Congresso Nacional para explicar e defender o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Os argumentos dos líderes da bancada governista foram decisivos para a remarcação da data. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aprovou a decisão. “Se o anúncio fosse feito hoje (ontem) o Paulo Bernardo seria apedrejado pelos parlamentares”, resumiu um petista que participou ativamente das negociações do Orçamento. Na Câmara, o ministro do Planejamento confirmou o bloqueio.

Comissões
A tesoura do Executivo atingirá R$ 16,5 bilhões de custeio, investimentos e das emendas coletivas, formuladas por comissões e daquelas elaboradas por bancadas. As emendas individuais foram preservadas, mas a liberação do dinheiro seguirá um cronograma que foi previamente acordado com os partidos. Por esse cronograma, 30% delas serão atendidas até julho, outros 30% até outubro e o restante em dezembro. Ao final desse processo, a estimativa é liberar entre R$ 3 bilhões e R$ 3,5 bilhões. “Nunca um governo havia se comprometido dessa maneira com o Parlamento. A fórmula é perfeita”, disse um petista.

Os parlamentares incluíram ao Orçamento um total de R$ 11 bilhões em emendas. Já no fim do ano passado, o governo trabalhava com a hipótese de congelar quase a totalidade delas, chegando a ensaiar cortes da ordem de R$ 19 bilhões. O contingenciamento feito em 2006 foi de R$ 15,9 bilhões e atingiu principalmente emendas parlamentares e investimentos. Destsa vez, a área econômica decidiu preservar uma parte dessas sugestões, excluindo essencialmente obras consideradas não-urgentes.

“Não estamos preocupados com a palavra contingenciamento, que parece ser feia, porque temos a certeza de que com o PAC as receitas vão acontecer”, explicou Beto Albuquerque (PSB-RS), líder interino do governo na Câmara. “Nenhum corte atingirá o PAC”, reforçou o vice-presidente do PSB, Roberto Amaral (RJ). De acordo com outro estrategista próximo ao Planalto, a liberação de recursos das emendas individuais não está condicionada à realização de receitas. Ou seja, os recursos estão garantidos. “Esse foi o acordo”, completou o parlamentar.

Os R$ 16,5 bilhões que devem ser contingenciados levam em conta todas as previsões de crescimento e arrecadação que constam no PAC.

Depois da passagem dos ministros pelo Congresso, o governo estava pronto para divulgar o decreto de contingenciamento. “Sai na quarta (hoje)”, contou o líder do PSB na Câmara, Márcio França (SP).

Nos encontros políticos de ontem, além de pedir enfaticamente a aprovação do PAC, Lula fez uma defesa dos parâmetros da economia e da condução da política monetária conduzida pelo Banco Central. “Quem conduz a política monetária é o Banco Central”, avisou o presidente, em encontro com a direção do PDT no Palácio do Planalto, sinalizando que não vai interferir para promover uma queda mais acelerada da taxa de juros, apesar das criticas de aliados e do próprio PT.

A condução da economia, que o presidente expressou aos pedetistas, é a de que o governo precisa fazer pouco para o país crescer. “O presidente disse que se o governo não atrapalhar, o país deslancha, e é isso que ele vai fazer”, contou o líder do PDT no Senado, Jefferson Peres (AM).

Conversa em banho-maria
A explanação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) feita ontem no plenário da Câmara pelos ministros da Casa Civil, Dilma Rousseff; do Planejamento, Paulo Bernardo; e da Fazenda, Guido Mantega, deixou o plenário vazio e desatento. Com exceção de um grupo de petistas aplicados, as explicações não mudaram as posições entre governistas e oposicionistas. Os primeiros elogiaram e fizeram poucas críticas. A oposição só viu defeito e considerou o plano incompleto.

O único parlamentar a debater com os ministros e chamar a atenção do plenário foi Ciro Gomes (PSB-CE). Ex-ministro da Integração Nacional, o parlamentar conseguiu, até, prolongar o tempo destinado a cada congressista pelo presidente da Casa, deputado Arlindo Chinaglia(SP). Além de Ciro, outra estrela foi o líder interino do governo na Câmara, deputado Beto Albuquerque(PSB-RS). Ao criticar a falta de investimento em infra-estrutura no segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso, Albuquerque chamou o “apagão” do setor elétrico de “apagão aéreo”, confundindo as duas crises. O líder se corrigiu, mas o constrangimento já tinha acontecido.

O presidente da Confederação Nacional da Indústria(CNI), deputado Armando Monteiro(PTB-PE), e o ex-ocupante do cargo Albano Franco (PSDB-SE), acompanharam juntos a explanação dos ministros tiveram percepção diferentes. O primeiro já conhecia e gostou: “A apresentação justificou a lógica do plano”, disse o governista Monteiro.

O oposicionista Franco teve dúvidas. “O plano é ousado nas idéias. Mas tímido na definição de metas”, comentou. No final dos debates, o deputado Paulo Maluf (PP-SP) produziu uma pérola do dia. Sugeriu, com ironia, a estatização do Banco Central. “Será que não seria a hora de estatizar o Banco Central?”, questionou.

Crime hediondo: mais tempo na prisão

Câmara vota projetos do pacote de segurança. Um prevê maior rigor para bandidos terem direito a benefícios

Líder do governo na Câmara, Beto Albuquerque (PT-SP) aposta na aprovação da proposta, que não encontra resistências

Uma semana depois da morte do menino João Hélio Fernandes, de 6 anos, pelo menos três dos nove projetos do pacote de segurança pública deverão ser votados hoje na Câmara dos Deputados. A previsão é do presidente da Casa, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP). Uma das propostas mais polêmicas é a que torna mais rígida a punição para os condenados por crimes hediondos. A proposta prevê o aumento do prazo que um condenado por esse tipo de crime deve permanecer em regime fechado antes de pedir a progressão da pena. Atualmente, após cumprir um sexto da sanção, o preso que cometeu crime hediondo pode pedir relaxamento da prisão e sair do regime fechado para o semi-aberto. A nova lei prevê que o preso só receba esse benefício após cumprir um terço da pena.

No caso de criminosos reincidentes, esse prazo aumentaria para 50%. Se aprovado hoje, o projeto segue para sanção presidencial. Segundo o líder do governo na Câmara, Beto Albuquerque (PSB-RS), a lei de crimes hediondos, hoje, não divide mais opiniões, principalmente depois da morte de João Hélio. Sem divergências, não será necessário fazer acordos para aprovar a medida. Na visão do parlamentar, aprovar o pacote antiviolência é a resposta mais rápida que o Congresso dará ao país. “É preciso acabar com essa moleza de progressão de pena para autores de crimes hediondos. Infelizmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) relaxou nessa questão”, criticou o parlamentar.

A ex-delegada e deputada federal Marina Maggessi (PPS-RJ) diz que não faz sentido mudar as regras de progressão de penas para crimes hediondos sem alterar a lei de execuções penais. Ele cita como exemplo o caso do bandido carioca Robson Caveirinha, que seqüestrou, traficou cocaína e matou cinco pessoas na década de 90 e foi condenado à pena máxima. Há duas semanas, ele saiu pela porta da frente da penitenciária beneficiado por uma decisão judicial. “Para liberar um preso para ver a mãe, por exemplo, o juiz se baseia num relatório do sistema penitenciário. Mesmo que ele tenha cometido um crime hediondo, se ele tiver bom comportamento, ele consegue progressão da pena”, explica. A deputada anunciou que está elaborando um projeto para modificar a legislação que trata sobre a execução penal e torná-la mais rigorosa.

Para o deputado Alberto Fraga (PFL-DF), que reassumiu o mandado para desarquivar oito projetos de sua autoria, aumentar a rigidez na progressão de pena para crimes hediondos é uma questão de honra para a Câmara.

Na esteira do projeto de crimes hediondos, o Ministério Público encaminhou um pedido para que a Câmara vote, no mesmo pacote, duas propostas que dificultam a prescrição de crimes no país. Segundo Chinaglia, esses projetos poderão entrar na pauta. Ele garantiu que o debate não será pautado pela comoção. Defendeu ainda punição maior para o adulto que cometa crime acompanhado de um menor. “O maior deverá responder por aquilo que o menor não pode responder”, explicou. Caso não haja projeto nesse sentido, ele poderá elaborar um e apresentá-lo.

Dinheiro do trabalhador terá garantias no fundo

INFRA-ESTRUTURA
Fazenda e Caixa definirão mecanismos que vão assegurar remuneração de pelo menos 3% ao ano mais TR para os recursos provenientes do FGTS

Maria Fernanda, da Caixa: “Já não se questiona mais a criação do fundo. E isso é um avanço”

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu fazer a primeira mudança no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Ele determinou ao Ministério da Fazenda e à Caixa Econômica Federal que encontrem mecanismos que dêem garantia mínima de rentabilidade aos recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) — R$ 5 bilhões, inicialmente — que serão aplicados no fundo de infra-estrutura criado no bojo do pacote econômico. Há uma cobrança generalizada das centrais sindicais e da base governista para que se fixe um tipo de seguro aos aplicadores, de forma que, no caso de o fundo de investimentos registrar prejuízos, o patrimônio dos trabalhadores receba remuneração de pelo menos 3% ao ano mais a variação da Taxa Referencial (TR), a mesma paga ao FGTS atualmente.

“A ordem do presidente Lula para a criação de um mecanismo de segurança ao dinheiro dos trabalhadores chegou na noite de ontem (segunda-feira). Já estamos trabalhando para apresentar sugestões, o que deve ocorrer em dois dias”, disse a presidente da Caixa, Maria Fernanda Ramos Coelho. Ela afirmou que ainda não é possível especificar qual o tipo de mecanismo é mais apropriado para dar rentabilidade mínima aos recursos do fundo de infra-estrutura. Há, inclusive, uma proibição legal para isso, conforme resolução baixada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão regulador e fiscalizador do mercado de capitais, vinculado ao Ministério da Fazenda.

Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, como a Caixa será a gestora do fundo de infra-estrutura, uma das hipóteses levantadas pelo governo é que o banco fique responsável por dar as garantias aos trabalhadores. “Com certeza, a Caixa tem condições de garantir uma rentabilidade mínima. Mas estamos vendo como isso pode ser feito com base na legislação da CVM”, afirmou. Outra opção, acrescentou o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, é a criação de um fundo garantidor. “Os estudos estão em andamento. Há várias propostas na mesa. E, com certeza, chegaremos a um consenso”, disse Bernardo, ressaltando ainda que o governo está disposto a aceitar sugestões do Congresso, inclusive da oposição.

MP rasgada
A presidente da Caixa afirmou que, para se chegar ao modelo pedido por Lula, certamente o governo terá que editar uma nova Medida Provisória em substituição à editada logo depois do anúncio do PAC, no dia 22 de janeiro. “Da forma como foi escrita, a atual MP não comporta nenhum tipo de seguro para o dinheiro do FGTS destinado ao fundo de infra-estrutura”, destacou. Para Fernanda, as discussões sobre a fixação de uma rentabilidade mínima ao patrimônio dos trabalhadores são bem-vindas, pois mostram que os debates estão em uma nova etapa. “Já não se questiona mais a criação do fundo. E isso é um avanço”, frisou.

Ela lembrou que há um bom exemplo no mercado de investimento com proteção mínima, o POP, lançado pela Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), na semana passada. Pelo POP, os investidores pessoas físicas definem um valor a ser protegido de suas aplicações em ações. Em contrapartida, aceitam abrir mão de uma parte dos ganhos, caso o mercado seja de alta. “Isso é só um exemplo. Nada está decidido”, afirmou.

Para o líder interino do governo na Câmara, Beto Albuquerque (PSB-RS), não há por que o governo não acatar o pedido dos trabalhadores para dar garantias ao dinheiro do FGTS que irá para o fundo de infra-estrutura. “Se há algum gargalo para isso, vamos superá-lo. É unanimidade na base do governo no Congresso a necessidade se de assegurar uma rentabilidade mínima aos trabalhadores. A proposta de 3% ao ano mais a TR é perfeitamente factível. Isso é unanimidade na base governista e na oposição”, garantiu.

Líder da minoria na Câmara, o deputado Júlio Redecker (PSDB-RS) não se mostrou nada amistoso à proposta do governo de direcionar recursos do FGTS para um fundo de infra-estrutura, segundo ele, com risco elevado de perda. “Meter a mão no dinheiro dos trabalhadores é um ato insano. Acredito que nem a base do governo apoiará essa idéia”, assinalou. O líder do PFL, Onyx Lorenzoni (RS), disse ser inconstitucional o uso do dinheiro do trabalhador no PAC. “É um confisco, mesmo que haja garantia mínima de rendimento. O trabalhador não tem opção de escolha”, afirmou.

Na verdade, o fundo de investimentos prevê a utilização de “sobras de caixa” do FGTS. Isso porque o Fundo de Garantia tem um patrimônio total de R$ 184,3 bilhões, dos quais cerca de R$ 163 bilhões pertencem às contas vinculadas — ou seja, é o dinheiro necessário caso, por exemplo, todos os trabalhadores contribuintes fossem demitidos. É com o resto, algo como R$ 21 bilhões, que será constituído o fundo. Ou melhor, com até 80% desse valor.

Colaboraram Luciano Pires e Luís Osvaldo Grossmann

Governo derrotado na emenda nº 3

“A emenda é uma salvaguarda para proteger o contribuinte. Um fiscal não deve ter o poder de desconstituir relações entre duas empresas”
Deputado Onyx Lorenzoni, líder do PFL na Câmara

O governo sofreu uma pesada derrota no ponto mais polêmico do projeto da Super-Receita, a emenda n° 3, incluída pelos senadores e mantida pelo relator na Câmara, deputado Pedro Novais (PMDB-MA). O dispositivo proibiu os auditores de desconstituir formalmente uma empresa individual e desconsiderar seus atos fiscais. Mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve vetar a emenda e editar uma Medida Provisória (MP) regulamentando o assunto. Deputados governistas diziam ontem que o espírito do dispositivo vai ser mantido, embora o líder do governo na Câmara, deputado Beto Albuquerque (PSB-RS), não tenha se comprometido com isso.

As chamadas “empresas de uma só pessoa” são contratadas por companhias maiores como prestadoras de serviço, recolhendo menos impostos e encargos trabalhistas. A Receita queria manter o poder de ignorar a instituição como pessoa jurídica e cobrar impostos como se elas fossem pessoas físicas. A emenda n° 3 determinou que essa desconstituição só poderá ser feita depois de uma decisão judicial. Na prática, isso sepultou as chances de um auditor multar a empresa por não estar pagando impostos como pessoa física.

“A emenda é uma salvaguarda para proteger o contribuinte. Um fiscal não deve ter o poder discricionário de desconstituir relações entre duas empresas. Isso seria absurdo”, argumentou o líder do PFL na Câmara, deputado Onyx Lorenzoni (RS). Para o deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA), um prestador de serviços deve ter a liberdade de se organizar como uma empresa ou uma pessoa jurídica, de acordo com sua conveniência. “Dar a um fiscal o poder de desconstituir uma empresa num ato monocrático seria matar o empreendedorismo”, disse.

Para os deputados do PT, a emenda pode incentivar a contratação indiscriminada de trabalhadores como pessoas jurídicas, valendo como uma verdadeira redução dos direitos trabalhistas. Além disso, da forma como foi redigida, poderia impedir os fiscais do trabalho de reconhecerem vínculos empregatícios em suas fiscalizações. Como não conseguiu um acordo para retirar a emenda do texto, Beto Albuquerque acabou liberando a bancada do governo para votar como quisesse.

Só o PT votou maciçamente de acordo com a orientação do líder. A emenda foi mantida por um placar de 304 a 146. Albuquerque não confirmou os rumores de que a MP editada por Lula manteria o teor da emenda, apenas preservando de maneira clara as atribuições dos fiscais do trabalho. O PSol anunciou que vai entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o dispositivo, caso Lula não o vete. (RA)