Um azarão assume o comando da Câmara

Feb 16 2005
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Zero Hora

Zero Hora, 16/02/2005 

Um azarão assume o comando da Câmara

 

Católico fervoroso, o novo presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), lamentava ontem não ter tido tempo de ir à igreja agradecer a vitória sobre o candidato do Planalto, Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), em eleição que se estendeu por mais de 14 horas entre segunda-feira e ontem. O pernambucano de 74 anos foi a zebra do jogo, um azarão entre os cinco deputados que postulavam o cargo.

Quando lançou a candidatura, em janeiro, nem o PP – à época negociando um ministério – anunciou apoio. Mas Severino, com 40 anos de vida pública, tinha um trunfo: é conhecido como o rei do baixo clero. O grupo é formado por parlamentares de pouca expressão política. Embalado por essa ala, Severino cunhou a campanha na promessa de aumento do salários dos deputados, que passariam de R$ 12.850 para o teto de R$ 21,5 mil.

À tarde, uma fila de parentes e políticos aguardava para apertar a mão de Seu Zito, como é conhecido. Até um desafeto do presidente Lula, o ex-governador do Rio Anthony Garotinho (PMDB), apareceu para lhe dar um abraço.

– Não sou oposição. O presidente Lula já me ligou me parabenizando – avisava Severino, vestido um terno azul, cor da sorte, especialmente escolhido pela mulher, Amélia.

Na Mesa da Câmara há 10 anos, Severino não gosta de ser oposição. Só se recusa a acompanhar os governos em projetos contrários à Igreja Católica. Agora, governistas e aliados acreditam que ele fará uma oposição branda.

– Ele sempre tentou me convencer a votar com o governo, dizendo que é disso que o povo gosta – diz um integrante da bancada ruralista.

Logo depois da posse, o Salão Verde da Câmara era um campo em fim de batalha. Deputados aliados ao governo choravam derrota e já pensavam no andamento de projetos pendentes.

– Tenho certeza de que Severino pode ser governista. O problema é o tamanho da conta – reclamava o vice-líder do governo na Câmara, Beto Albuquerque (PSB).

Perplexos, técnicos da equipe econômica estavam em dúvida quanto ao futuro de projetos já prontos para irem ao Congresso. Um deles, é o texto da reforma sindical. A pauta está trancada por 14 medidas provisórias, mas a agenda econômica é prioridade na mensagem apresentada ontem pelo ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, na posse do novo presidente da Câmara. A conclusão da reforma tributária também está em pauta.

Outro temor de deputados ligados ao governo é o de perder a relatoria de projetos em tramitação, como a Medida Provisória 232, com novas regras para o Imposto de Renda.

– Não sei como vai ficar a minha situação, mas acho que vou perder a relatoria para o PFL – reclamava o deputado Carlito Merss (PT-SC).

Um dos compromissos do vencedor foi com a bancada ruralista. Se comprometeu a colocar em votação o Projeto de Lei de Biossegurança, apesar de ter sido um dos parlamentares a rejeitar o texto por liberar o uso de embriões congelados para pesquisas com células-tronco. Deputados apostam que ele irá retirar o artigo para cumprir o acordo.

(
carolina.bahia@zerohora.com.br )





















































Saiba mais

“Não irei absolutamente procurar criar empecilho para com o meu conterrâneo (o presidente Lula), que veio também de Pernambuco como eu. Ele veio no pau-de-arara, e eu vim no navio do Ita, que naquele tempo nos trazia para cá. “

“Não nego nada do que disse e prometi. Irei cuidar dos deputados, para que possam ter bom desempenho. Não irei fazer mais do que cumprir a Constituição do meu país. Essa é a minha posição, para que os parlamentares se sintam fortalecidos e possam fazer bem o seu trabalho. “

” Queria apenas dizer aos meus colegas deputados e deputadas que é um orgulho quando criticavam e diziam que o deputado Severino Cavalcanti não podia assumir a presidência da Casa porque não tinha o nível universitário. Digo a todos os meus diletos companheiros: vim aqui para aprender, e aprendi tanto que cheguei a presidente desta Casa. “

A trajetória de um conservador

– Conhecido por suas posições conservadoras, Severino Cavalcanti (PP-PE), 74 anos, exerce cargos eletivos há 40 anos. Deputado estadual por 28 anos e deputado federal nos últimos 10 anos, Cavalcanti já ocupou a segunda vice-presidência e a corregedoria da Câmara por duas vezes.

– Entre os projetos de sua autoria estão o que proíbe a exibição de cenas de sexo e nudez na TV entre as 6h e as 22h, o que visa proibir cirurgias plásticas para alteração de sexo e o que acaba com a imunidade parlamentar para crimes comuns, garantindo a inviolabilidade do mandato apenas para crimes de opinião.

– Nascido em João Alfredo (PE) em 18 de dezembro de 1930, é empresário do setor agroindustrial e integrante da bancada católica e tem como bandeiras na Câmara posição contrária ao aborto ou à retirada do feto em razão de anomalia em sua formação ou quando a gravidez apresenta risco para a gestante, e ao casamento gay. Começou a vida política em 1962, eleito prefeito de sua cidade natal pela União Democrática Nacional (UDN). Depois, filiou-se à Arena, partido de sustentação da ditadura militar (1967-1980), ao sucessor PDS, ao Partido Democrático Cristão (PDC), ao PL, ao Partido Progressista Renovador (PPR) e ao PFL. Em 1998, passou para o PP, então PPB.

Quem ganha e perde

QUEM GANHA

– O PP ganha peso na balança política que definirá a próxima reforma ministerial do governo Lula.

– A ala oposicionista do PMDB, liderada por Michel Temer.

– O ex-governador Anthony Garotinho na batalha que trava contra o Planalto.

– O baixo clero – o grupo de deputados coadjuvantes – chega ao poder na Câmara.

– A bancada ruralista votou em bloco em Severino para evitar a vitória de Greenhalgh, ex-advogado do MST.

– Os salários e as verbas de gabinete dos deputados, com a promessa de campanha de Severino de que seriam inflados.

QUEM PERDE

– O ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, que viu naufragar o esforço para ter um aliado no comando da Câmara.

– Eunício Oliveira, ministro do PMDB, não conseguiu convencer o partido a votar em Greenhalgh.

– As ameaças de José Genoino (PT) não convenceram o petista mineiro Virgílio Guimarães a desistir da candidatura.

– Virgílio Guimarães, que não desistiu da candidatura, não chegou ao segundo turno e ainda pode ser expulso do PT.

– João Paulo Cunha (PT-SP), que não conseguiu se reeleger para o cargo e fracassou como um dos coordenadores da campanha de Greenhalgh.

– O princípio da proporcionalidade, que garantia a maior bancada, o PT, a presidência da Casa.

 

Segundo turno dividiu bancada gaúcha e criou insólitas alianças

Adversários explicaram apoio a Greenhalgh por respeito a tradição

 
Pelo menos 15 dos 31 deputados federais gaúchos garantiram ontem a Zero Hora ter votado em Luiz Eduardo Greenhalgh (PT) no segundo turno da eleição para presidente da Câmara. O voto foi secreto nos dois turnos de votação.

Atradição segundo a qual a maior bancada tem direito a indicar o presidente da Casa foi a alegação usada por alguns dos mais ferrenhos adversários do PT, como Alceu Collares (PDT) e Nelson Proença (PPS), que declararam voto no petista. Wilson Cignachi (PMDB) atribuiu a vitória de Severino Cavalcanti (PP-PE), de uma bancada minoritária, à falta de disciplina, embora lembre que não tem “nenhuma paixão pelo PT”. Para Proença, o governo levou o troco por adotar uma prática fisiológica.

– Quem semeia fisiologismo, colhe Severino – completou Proença.

Collares, que havia participado de um jantar de apoio a Greenhalgh no apartamento de Beto Albuquerque (PSB), na Capital, considerou a votação “um espetáculo surrealista”.

– Elegeram um homem dotado de cultura razoável. Foi o direito sagrado da vingança – disse Collares, medindo as palavras para não ofender o novo presidente.

Articulador da candidatura de Greenhalgh, Albuquerque se encarregou de culpar quem votou em Severino, sem citar nomes:

– Ouvi de alguns que, para dar lição ao governo, votaram num fisiológico. Esses caras têm de começar a responder por tudo o que acontecer daqui para frente – avisou.

Fora da tropa de choque dos contras, Milton Cardias (PTB) exerceu a orientação do líder e senador Sérgio Zambiasi. Luciana Genro (P-Sol) admitiu ter votado em branco nos dois turnos.

– Eu estava enojada com a campanha ao estilo tradicional, mais podre, com mocinhas bonitas distribuindo bonés e camisetas – disse.

Um dos principais defensores do governo admitiu os problemas.

– Precisamos fazer um check-up rigoroso no governo, na base de apoio e nos ministros para achar os erros e corrigi-los – afirmou Paulo Pimenta (PT).















































































Como os gaúchos afirmam ter votado

Luiz Eduardo Greenhalgh

– Alceu Collares (PDT)

– Adão Pretto (PT)

– Beto Albuquerque (PSB)

– Cezar Schirmer (PMDB)

– Enio Bacci (PDT)

– Henrique Fontana (PT)

– Marco Maia (PT)

– Maria do Rosário (PT)

– Milton Cardias (PTB)

– Nelson Proença (PPS)

– Orlando Desconsi (PT)

– Pastor Reinaldo (PTB)

– Paulo Pimenta (PT)

– Tarcísio Zimmermann (PT)

– Wilson Cignachi (PMDB)

Severino Cavalcanti

– Augusto Nardes (PP)

– Darcísio Perondi (PMDB)

– Eliseu Padilha (PMDB)

– Érico Ribeiro (PP)

– Francisco Appio (PP)

– Júlio Redecker (PSDB)

– Luís Carlos Heinze (PP)

– Onyx Lorenzoni (PFL)

– Osvaldo Biolchi (PMDB)

Não informou

– Pompeo de Mattos (PDT)

Voto em branco

– Luciana Genro (P-Sol)

Não localizados

– Francisco Turra (PP)

– Kelly Moraes (PTB)

– Mendes Ribeiro Filho (PMDB)

– Paulo Gouvêa (PL)

– Yeda Crusius (PSDB)