Distritão e Revolução
- Posted by: Ass. imprensa
- Posted in: 15-17, Artigos, Geral
- Tags Por Marcos Nobre
Em debate promovido pelo Valor sobre a reforma polAi??tica, o presidente da CA?mara dos Deputados, Eduardo Cunha, foi direto ao ponto: “Se fizer um plebiscito hoje, vai dar distritA?o, nA?o tenho nenhuma dA?vida disso, porque o eleitor entende que os mais votados entram. O outro modelo vocA? tem de explicar que vai beneficiar o partido que faz a polAi??tica e que representa a ironia. Explicou de mais, ninguAi??m entende”.
Ai?? uma ideia muito interessante fazer um plebiscito sobre a reforma polAi??tica. E se existe alguAi??m em posiAi??A?o de fazer essa proposta Ai?? justamente Eduardo Cunha. Ainda mais no caso de um plebiscito em que o deputado nA?o tem dA?vida de que o resultado serA? favorA?vel Ai?? sua prA?pria posiAi??A?o, a do “distritA?o”. Cada Estado seria um distrito, quem recebe mais votos se elege, independentemente da votaAi??A?o total dos partidos.
Na visA?o de Cunha, o “distritA?o” Ai?? a ideia mais fA?cil de entender. E a ideia mais fA?cil de entender sempre vence.
Porque nA?o Ai?? apenas o eleitorado que tem dificuldade de entender ideias complexas demais. A prA?pria CA?mara dos Deputados – responsA?vel por aprovar a reforma – tem essa mesma dificuldade: “Tem 513 deputados na Casa. Se vocA? for conversar com eles, 70% nA?o vA?o saber te explicar a diferenAi??a desses modelos. Se um cara que vai pedir voto nA?o sabe, imagine quem vai votar”.
“DistritA?o” Ai?? bode que pode ficar na sala Tomando o exemplo mais recente que temos de plebiscito, realizado em 1993, e aplicando a ele o raciocAi??nio do deputado, terAi??amos como resultado que a repA?blica seria mais fA?cil de entender do que a monarquia.
E que o presidencialismo seria mais fA?cil de entender do que o parlamentarismo. Mas nesse caso, o que nA?o se entende Ai?? por que Eduardo Cunha Ai?? favorA?vel Ai?? ideia “difAi??cil” do parlamentarismo, como afirmou no mesmo debate.
Provavelmente porque o “distritA?o” Ai?? apenas o bode na sala (mas que pode efetivamente ficar na sala), bloqueando a visA?o do que realmente importa. Cunha pretende aprovar alguma reforma, nA?o importa muito qual: “NA?o tenho compromisso com o conteA?do. Me elejo com qualquer modelo. NA?o estou preocupado com isso, nA?o. Qualquer modelo de lista fechada a distrital misto, distritA?o”.
Ai?? um grande alAi??vio para a sociedade brasileira saber que, apesar de todas as suas limitaAi??Ai??es cognitivas, o eleitorado poderA? sempre contar com o mandato do deputado Eduardo Cunha, aconteAi??a o que acontecer.
Mas fica claro nesse desapego a conteA?dos que o que importa Ai?? alterar o sistema eleitoral, seja lA? como for, mostrar que o atual protagonismo do PMDB nA?o seria apenas de fachada, que Ai?? capaz de trazer mudanAi??as efetivas e arrojadas. Afinal, nA?o foi a presidente que levantou essa bola em cadeia nacional ainda no tumulto de Junho de 2013 e que depois a deixou cair? A sociedade exige, e o PMDB entrega, essa Ai?? a primeira liAi??A?o da reforma.
Mas se o conteA?do importa pouco, o cerne da reforma, sua condiAi??A?o inegociA?vel do ponto de vista do PMDB Ai?? a manutenAi??A?o do financiamento privado de campanhas. O essencial Ai?? impedir que se concretize a proibiAi??A?o de que empresas financiem campanhas.
Trata-se de uma ameaAi??a mais do que real, configurada por uma maioria jA? formada no STF, suspensa apenas por um pedido de vistas de mais de ano por parte do ministro Gilmar Mendes.
Sem financiamento de empresas, a prA?pria lA?gica de funcionamento do PMDB fica prejudicada, senA?o inviabilizada.
Porque a lA?gica do PMDB Ai?? uma lA?gica “de candidato” e nA?o “de partido”. Nas palavras de Cunha: “O problema Ai?? que o PT tem histA?rico de fazer campanha de partido, nA?o de candidato. E Ai?? o A?nico que se beneficia do processo de lista porque Ai?? o A?nico que faz campanha partidA?ria Para Cunha, partidos sA?o aglomerados de candidatos.
O que mantAi??m a aglomeraAi??A?o unida Ai?? o interesse do candidato de se eleger e de barrar concorrentes diretos: “NinguAi??m senta para fazer coligaAi??A?o procurando quem pensa parecido com vocA?. VocA? senta para fazer uma coligaAi??A?o pensando em quantos votos o partido tem, quais os candidatos viA?veis tem lA? que vA?o tirar votos seus, como Ai?? que faAi??o para preservar minhas vagas”. Procurar “quem pensa parecido com vocA?” Ai?? o que se costumava chamar de “ideologia”.
Nesse mundo distante e irreal, “partidos” representavam um esforAi??o coletivo de mobilizar uma “ideologia” para conquistar democraticamente uma maioria na sociedade a favor de um determinado rumo e nA?o de outro.
No resumo de Cunha, o partido Ai?? um agregado de candidatos que tA?m em comum unicamente o fato de atrapalharem uns aos outros o mAi??nimo possAi??vel no objetivo de alcanAi??ar a eleiAi??A?o. E sA?: “Fiquei neutro na campanha presidencial. Tinha gente minha que votava com a Dilma, tinha gente minha que votava com AAi??cio, tinha gente minha que votava com o Everaldo, tinha gente minha que votava com a Marina, tinha de tudo. Tudo bem. NA?o perdi um voto. Em 2010 perdi voto pra caramba porque tinha opAi??A?o para presidente”.
Com Eduardo Cunha, o pemedebismo chegou a um novo patamar. JA? nA?o considera mais sequer necessA?rio manter as aparA?ncias. Um partido nA?o existe para “promover o bem comum”, ou “liberdade, igualdade e fraternidade”. AtAi?? mesmo referA?ncias genAi??ricas como essas se tornaram desnecessA?rias.
Do ponto de vista desse pemedebismo sem disfarce, eleiAi??A?o Ai?? embate militar em que sA? perde quem Ai?? ruim de estratAi??gia. Ou dispAi??e de recursos insuficientes. A polAi??tica “como ela Ai??” se resume Ai?? correta movimentaAi??A?o de tropas e armamento e eleiAi??Ai??es representam as batalhas decisivas da guerra.
Somente em um momento do debate o deputado Eduardo Cunha foi assombrado pela possibilidade de que seria preciso tambAi??m combinar com o eleitorado.
Foi quando defendeu a coincidA?ncia de todas as eleiAi??Ai??es em um mesmo dia, de vereador a presidente.
Diante da pergunta sobre se, do ponto de vista do eleitor, realizar eleiAi??Ai??es apenas a cada quatro anos nA?o represaria a manifestaAi??A?o popular, demonstrou preocupaAi??A?o: “concordo que ficar quatro anos sem eleiAi??A?o Ai?? um problema. Pode acabar dando numa revoluAi??A?o”.
*Marcos Nobre Ai?? professor de filosofia polAi??tica da Unicamp e pesquisador do Cebrap.
**Escreve Ai??s segundas-feiras E-mail: marcosnobre.valoreconomico@gmail.com